1. A notícia tem 15 dias: um carro do Governo, no qual seguia o ministro Eduardo Cabrita, de Portalegre para Lisboa, atropelou mortalmente um trabalhador de umas obras na A6 relativas à limpeza na berma da referida autoestrada. Como sempre, lançam-se investigações. Se não falhei a propaganda de nenhuma outra, há pelo menos três – da GNR, do MP e do INEM.

E já sabemos todos, também, que há duas versões desencontradas. O MAI de Cabrita garante que a obra não estava assinalada e a Brisa diz o contrário, secundada pela empresa subcontratada para a obra, a ArquiJardim.

2. Acidentes podem sempre acontecer. Fazem parte da vida. O que não é admissível, num caso destes, é que o ministro não tenha tido uma palavra direta para a família da vítima, que deixa dois filhos. Este não é um comportamento normal num responsável público, antes parece ser mais um indício de uma pessoa acossada, de um homem sem dimensão para o cargo que exerce.

Este simples gesto – ou a ausência dele, como se preferir – mostra falta de coragem pessoal e incapacidade absoluta para o exercício das funções de ministro de um governo de Portugal.

É importante recordar ainda que Cabrita, segundo as testemunhas, também nunca saíra do carro no momento do acidente.

Nenhum dos inúmeros casos políticos em que o atual titular do MAI já se viu envolvido tem a importância deste e a revelação de uma deprimente falta de condições de caráter.

3. Acresce uma outra notícia grave (do CM) conhecida ontem: a GNR terá sido impedida “por ordem superior” de fazer perícias à viatura, um BMW, para apurar a que velocidade seguia no momento do atropelamento, que segundo algumas testemunhas circularia a “uma velocidade louca”, cerca de 200 km/hora, na faixa da esquerda.

Para isso é necessário aceder ao computador interno do carro. Mas neste preciso momento, e segundo o CM, os responsáveis da investigação não sabem sequer para onde a viatura foi levada depois de ter sido removida do local por um reboque da própria GNR.

Esta notícia encerra uma gravidade extrema: a de que num país dito democrático, no qual é possível um estrangeiro ser morto dentro de instalações policiais, também é possível alguém decretar uma “ordem superior” para procurar obstruir o conhecimento da verdade num caso rodoviário envolvendo um ‘notável’.

4. Resta, além de um ministro que está a mais, uma questão de fundo: a frequência com que os carros do Poder circulam a velocidade ilegal nas estradas nacionais.

Nunca ninguém será capaz de me explicar porque é que um elemento do Governo pode viajar a mais do que os 120 km/h permitidos a qualquer cidadão. Pelo contrário, é de elementar bom senso que fosse o dito responsável a dar o exemplo. Como é que um Governo pode querer ser levado a sério em todos os campos, nomeadamente no da segurança rodoviária e na mudança do paradigma de mobilidade nas cidades, e depois tem elementos que se comportam como estando acima da lei que eles próprios decretam?

5. Por mim, não tenho dúvida: um ministro que circula acima da velocidade permitida por lei é, objetivamente, responsável pelo eventual acidente. Nenhum motorista conduz a 200 km/h, ou a outra infringindo a Lei, se não tiver indicações concretas nesse sentido. O contrário seria imaginar que neste caso o ministro estaria sequestrado dentro do próprio automóvel ou fosse ele o funcionário.

São muitos os motivos para que Eduardo Cabrita saia do Governo. Quanto mais depressa melhor porque toda esta indigência e falta de caráter já fede – é um caso de sanidade pública.