Que a actual solução governativa em Portugal continue a ser chamada de geringonça ao fim de mais de um ano de governação diz muito sobre a forma como o encaixe político que a permitiu é vista pela generalidade da opinião pública. A ortodoxia ideológica de cada um dos partidos que compõe este arranjo teve que ser sacrificada em nome do desígnio maior de chegar ao poder. Sem uma identidade comum, e não podendo dar largas à identidade partidária individual, resta algo que se resume na palavra geringonça. O nome continua actual e está para durar.

O paradoxo maior desta solução é o que enfrentam os partidos tradicionalmente mais ligados à ideologia, PCP e BE, que sempre foram uma oposição irrelevante e que, de repente, se vêem na condição de influenciar. Mas só podem ir até certo ponto, pois estão rendidos à obrigação de não pôr em causa o Governo. Estão ligados uns aos outros.

Para o sucesso do modelo português muito tem contribuído o Presidente da República, com o objectivo declarado de defender a estabilidade e o objectivo disfarçado de não querer que nada lhe estrague a festa. A sua actuação ajudou o Governo a evitar quase tudo o que podia pôr em causa a popularidade. As excepções contam-se pelos dedos de uma mão: CGD, TSU e pouco mais.

Também ajuda o contexto externo ser diferente e mais favorável do que anteriormente, o que tem permitido que este Governo não tenha verdadeiramente sido posto em causa. A Europa tem hoje outras preocupações. O discurso punitivo contra os países incumpridores e renitentes em aplicar reformas, o sul da Europa, deixou de se ouvir. Neste momento é mais importante incluir do que conformar à força.

A nível interno, o país recuperava de uma situação muito restritiva, pelo que o remover da austeridade acelerou a dinamização da economia. Ainda bem para a estabilidade governativa que não se tem esmiuçado muito este “el dorado” português, caso contrário poderia chegar-se à conclusão de que, na vizinha Espanha, nem governo foi preciso para ter um desempenho económico muito mais favorável.

Assim, seria importante aproveitar a folga que a Europa tem dado para efectuar as verdadeiras reformas que o país necessita, mudar o paradigma, torná-lo mais justo e criar mais oportunidades. Reformar implica mexer no status quo, correr o risco da impopularidade, e isso não ajuda a manter o poder. Mas pelo menos à pergunta “o que está a ser feito para evitar que o país volte a cair nos mesmos erros que levaram à grave crise financeira de 2011”, a resposta tem de ser mais do que apenas torcer para que a envolvente externa não volte a ser a mesma. Para que não seja o fado do país transformar-se numa geringonça.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.