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“Um processo orçamental com menos propostas beneficiava a sua leitura externa”, defende Duarte Cordeiro

Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, diz que os partidos são livres de apresentar as propostas de alteração que entendem, mas alerta para a dificuldade de uma discussão com profundidade em sede de especialidade com demasiadas propostas.
14 Dezembro 2020, 07h30

Há quem diga que a votação na especialidade do Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) é o tipo de acontecimento que deve ficar reservado para memórias políticas. Também lhe dedicará um capítulo?
Não. Confesso que li e ouvi comentários um pouco excessivos relativamente àquilo que aconteceu no OE2021, nomeadamente na especialidade, quando comparado com o de 2020, que são os meus termos de comparação, pois são os dois que acompanhei. Apesar de termos tido um recorde de apresentação de propostas de alteração, que tive oportunidade de dizer que era excessivo.

Há alguma forma de controlar esse número de propostas?
Não há, na medida em que os partidos são livres de apresentar as propostas de alteração que entendem. A questão é a necessidade de apresentar tantas propostas de alteração face aquilo que é o OE2021 e os objetivos a que se propunha. Ainda assim, tivemos cerca de 270 alterações aprovadas, das quais 190 foram negociadas. O Governo não pode propriamente dizer que em relação às 190 propostas que teve em negociação e que aprovou foi surpreendido. Houve entendimentos com partidos, que resultaram inclusivamente alguns em documentos escritos, outros nem por isso, mas que se traduziram em propostas alteradas na especialidade. Depois tivemos cerca de 80 e tal propostas aprovadas sem o voto do PS. Se formos comparar, não é muito diferente do número de propostas aprovadas no OE2020. Ter 80 propostas aprovadas sem o voto do PS é excessivo? Talvez seja. No entanto, temos que ter em consideração que o grande problema de um processo de discussão na especialidade que tem 1.500 propostas e que decorre durante uma semana é que realmente é muito difícil para ser acompanhado e discutido com alguma profundidade e muitas das propostas poderiam ter sido aprovadas noutros contextos que não necessariamente no OE2021. Podíamos tornar o processo mais simples? Acho que sim. Podia haver da parte de todos a compreensão de que um processo orçamental com menos propostas beneficiava a leitura externa do mesmo.

Foi o sexto Orçamento dos governos de António Costa, sétimo se contarmos com o Suplementar. À medida que nos aproximamos do final da legislatura as negociações tornam-se mais difíceis?
Só neste ano foram três. Este foi particularmente difícil, pois tivemos um Orçamento de 2020 aprovado em fevereiro, termos processos de negociações para o OE2021, que começaram em julho ou em setembro e colocou-se perante o Governo a necessidade de avançar com processo de execução do OE2020 com muito pouco tempo de execução orçamental e os partidos queriam ver muitas das matérias aprovadas no OE2020 postas em prática. Isso tornou muito mais difícil todo este processo porque tínhamos de negociar com os partidos relativamente ao OE2021, mas estivemos a acelerar a execução do OE2020 enquanto também muitas das medidas do Orçamento Suplementar nos eram exigidas. Tendo em conta o contexto que estamos a viver, e que durante o primeiro estado de emergência tivemos uma produção legislativa anormal, o quadro legislativo está agora mais estável, mas no primeiro Estado de Emergência houve a necessidade de fazer um conjunto de alterações para introduzir um conjunto de respostas para a vida das pessoas, e o contexto de negociação orçamental foi particularmente difícil. Por outro lado, dependerá muito daquilo que vá ser 2021: a resposta à pandemia, a recuperação económica, a capacidade de ir executando o próprio Orçamento e as medidas que estão construídas no Orçamento e as condições para prosseguir o resto da legislatura. Temos consciência disso. Era um Orçamento particularmente difícil, talvez o mais difícil no sentido desta conjugação. E termos tido uma crise também tornou mais difícil a nossa relação política com os vários partidos. O afastamento do Bloco de Esquerda foi particularmente evidente e tornou todo este processo mais complicado.

A suspensão das regras orçamentais de Bruxelas não permitia que o Governo fosse mais além em certas matérias, apesar do impacto orçamental?
Fomos na justa medida do possível. Temos recebido acusações no sentido oposto. O PSD começou por dizer que este era um Orçamento que queria dar tudo a todos. Entrámos com uma proposta de Orçamento com um défice de 4,3%, sendo natural que haja um ligeiro ajustamento com as várias matérias que fomos negociando em sede orçamental. Houve o cuidado claro de definir prioridades e procurámos dizer aos partidos no processo de negociação quais assumimos. Procurámos enquadrar muitas das respostas do ponto de vista daquilo que era a fonte de financiamento. Não acho que o Governo tenha tido esse cuidado, até porque apesar de termos feito isto com algumas estratégias de aproveitar as linhas e as oportunidades que temos a nível europeu no quadro que temos, não deixámos de fazer muitas matérias de natureza estrutural, como por exemplo a capacitação dos serviços públicos.

A postura estratégica do Bloco neste Orçamento deriva do facto de se imaginar como o substituto do PS como o grande partido da esquerda? Já aconteceu noutros países europeus…
A leitura que o Governo teve das eleições legislativas foi que o PS sai fortalecido, mas não saiu com maioria absoluta, e pareceu-nos que existia a vontade de continuar um processo de convergência e de negociação com os partidos à nossa esquerda. Nós saímos fortalecidos nessa representatividade e o BE também não saiu propriamente sem um papel neste processo. A nossa leitura é que deveríamos prosseguir os diálogos e as negociações e foi isso que temos procurado fazer. Fizemo-lo aquando da elaboração do programa do Governo, no primeiro Orçamento, com uma negociação mais intensa ou menos intensa, mas procurando convergências, e agora outra vez neste segundo Orçamento. Não é o facto de não termos um acordo escrito que nos deve desresponsabilizar.

Se falar com dirigentes do Bloco de Esquerda hoje em dia não encontrará muitos a dizerem que são trotsquistas ou maoistas. Dizem que são sociais-democratas…

…já me constou isso esta semana.

E um partido que se diz social-democrata há-de ter como ambição ocupar uma grande área do eleitorado português, na qual está o PS.
Neste caso em concreto, do nosso lado pelo menos, independentemente de podermos vir a ter várias ambições políticas, e de o Bloco de Esquerda ter as suas, o Bloco de Esquerda afastou-se de ser uma solução num momento difícil. E nós entendemos que as pessoas esperavam que tivéssemos a capacidade de encontrar respostas e medidas para o seu dia-a-dia. Procurámos fazê-lo neste Orçamento e conseguimo-lo. Uma coisa é certa: partimos para este Orçamento com o objetivo concreto de procurar entendimentos políticos com os vários partidos de esquerda ou ambientalistas e saímos deste processo com entendimentos. Houve um partido que se afastou. É uma leitura que tem de ser feita por parte desse partido e por parte dos eleitores.

Na especialidade, o PCP teve maior margem para aumentar a pressão em algumas das suas reivindicações. Já têm contabilizado o custo das medidas acordadas com os comunistas na especialidade?
Importa distinguir dois aspetos: quando existe um processo de negociação o Governo naturalmente internaliza nas suas contas parte daquilo que são medidas que vai falando com esses partidos e que se traduzem muitas delas na especialidade. É natural que parte das medidas que foram negociadas já estivessem integradas n a margem natural que existe para um processo na especialidade. Depois existirá outras. É natural que o Ministério das Finanças faça ligeiras correções ao défice em todo este processo de negociação. Mas é completamente diferente estarmos num processo de negociação, e o Governo procurar integrar algo que pode avaliar e prever na proposta que entrega na generalidade e depois na especialidade, e outras que são aprovadas à margem daquilo que é o Governo e o PS. Essas têm um impacto completamente diferente e achamos difícil compreender que partidos, e em particular o PSD, tenham discursos no momento da apresentação do Orçamento críticos em relação às despesas que este contempla e depois, no processo de especialidade, ignorem as suas próprias intervenções e – quer votando propostas de outros partidos quer nas suas próprias propostas – apresentem medidas que têm encargos significativos por parte da despesa. Faria muito mais sentido que um partido supostamente preocupado com essas matérias fosse cauteloso na forma como apresenta propostas. Do ponto de vista do impacto das medidas negociadas com o PCP volto a dizer que muitas delas se integram nas prioridades que definimos para este Orçamento.

E ainda não têm uma estimativa do seu custo?
Deixarei isso para o Ministério das Finanças, mas temos plena noção daquilo que negociámos e do impacto que têm.

As questões laborais também estiveram na discussão desde Orçamento, apesar de algumas questões serem remetidas para a concertação social. O Governo aceitou a suspensão da caducidade dos contratos coletivos de trabalho durante dois anos. Porquê a suspensão e não o fim da caducidade?

Em primeiro lugar, o Governo aceitou em lei própria e não no Orçamento do Estado. Não se trata de um pormenor, pois entendemos que o Orçamento do Estado não deve ser o espaço para fazer alterações a legislação laboral. Em segundo lugar, entendemos – e isso foi transmitido pela ministra do Trabalho e pelo secretário de Estado da Segurança Social – que em 2021 fará sentido prosseguir um conjunto de discussões em sede de concertação social, desde matérias de regulação da precariedade e regulação de trabalho nas plataformas digitais ou outras que nos pudessem ser trazidas pelos parceiros sociais – e que até podiam ser coincidentes com aquelas que os partidos traziam em sede de discussão. Depois houve a preocupação de ir ao encontro dos partidos com que negociámos. Não defendendo as posições que esses partidos subscreviam sobre a caducidade, procurámos responder com uma proposta existente durante a última legislatura, e que tinha como objetivo evitar que este período de pandemia tivesse como reflexo o aproveitamento do fim da caducidade de um contrato para alterar substancialmente as condições de um contrato numa determinada empresa. Pareceu-nos que essa moratória permitia salvaguardar que as decisões seriam tomadas já no pós-pandemia, num contexto económico que não o atual. Quisemos responder aos partidos com uma aproximação, aceitámos o princípio de que a pandemia e o fim da caducidade nesse período poderiam ter consequências muito negativas nas condições laborais. Aceitámos que fazia sentido essa moratória e foi nesse sentido que avançámos com a proposta.

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