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Um SOS do Panteão Nacional para o mundo, eis a nova criação do artista espanhol Eugenio Ampudia

E se um edifício lhe pedisse ajuda? É o ponto de partida deste texto. Mas quem questiona é o artista. É Eugenio Ampudia quem desafia o espetador a pensar mais além com este grito visual, é ele quem apela: urge “salvar as nossas almas”.
19 Maio 2022, 17h07

E se um edifício lhe pedisse ajuda? Tal como um ser humano grita por socorro quando a sua vida está ameaçada. A ideia, neste caso, é ainda mais ousada. O tal edifício pede ajuda à cidade, ao mundo inteiro. Quer que olhem para ele e pensem. De preferência, quer também que ajam depois de pensarem.

Eis a mais recente ousadia, ou melhor, criação, de um dos mais consagrados artistas espanhóis da atualidade, Eugenio Ampudia. A mensagem? “Salvai as nossas almas”, do inglês Save our Souls, imortalizado na sigla SOS – o sinal de socorro internacional. O edifício? Nada mais, nada menos do que o Panteão Nacional, um símbolo nacional carregado de História.

Eugenio Ampudia diz-nos que transformou o Panteão dos “homens e mulheres  Ilustres” de Portugal, e a cidade de Lisboa no palco de “um apelo universal à ajuda”. Ele que tanto se interessa pelo impacto e consequências das alterações climáticas e que, inesperadamente, viu a sua anterior obra “Concerto do Bioceno” –  uma surpreendente instalação simbólica de plantas no histórico Teatro do Liceu de Barcelona, realizada em plena pandemia, em 2020 – tornar-se viral por, de uma forma simbólica, “pôr o dedo na ferida”.

Eugenio Ampudia, nascido em 1958 em Valladolid, acredita no artista “enquanto promotor de ideias e provocador de experiências estéticas, ao mesmo tempo que questiona sobre aquilo que nos perturba e nos confronta com dilemas éticos pertinentes”. Aspira ainda a ajudar a identificar aquilo que é urgente, aquilo sobre o qual devemos colocar o nosso “foco”. Alertar, fazer pensar, fazer reagir.

Na apresentação da peça que agora pode ser vista até dia 21 de maio, no Panteão Nacional, integrada na ARCOlisboa 2022, disse ao Jornal Económico que a escolha do tema não remete para nenhuma questão religiosa, até porque é ateu, por isso. As “almas” a que o nome da peça se refere – “Salvar as nossas almas. S.O.S.”, da expressão inglesa ‘save our souls’ – remete para as possibilidades de futuro que nos esperam a todos. E explica. “Pareceu-me que contar essa história na perspetiva de figuras de referência, homens e mulheres que se encontram num monumento que as glorifica, de alguma forma isso sustenta, conceptualmente, aquilo que quero contar. Sobretudo, temos de alertar que chegámos ao fim de uma época e que a situação em que vivemos é complexa e não podemos escamotear os desafios que enfrentamos com a crise climática”.

A arte não tem a presunção de dar respostas, esse papel cabe aos cientistas, mas fazer perguntas. E fazê-lo de forma a chegar ao público, realça. “É importante levantar questões e chegar às pessoas de uma forma mais próxima, mais íntima. Conseguir uma certa sintonia e até solidariedade da parte do espetador para com as mensagens que transmitimos”. E sendo este um problema universal, que nos convoca a todos, a enorme carga simbólica do espaço e a força emanada pelos 80 projetores LED em todas as portas e janelas do Panteão, conferem a este grito de ajuda o impacto que pretende.

Lisboa, uma segunda casa

Portugal é território familiar desde que, há dez anos, conheceu o curador André de Quiroga, comissário da ação de Eugenio Ampudia para o Panteão Nacional, no âmbito da Trienal do Alentejo. E falando de Lisboa na apresentação deste projeto, diz que “é como estar em casa, entre amigos”. Daí que já estejam em curso vários outros projetos que terão por palco a capital portuguesa.

É o caso de um dos seus “Concertos do Bioceno”, como explica o artista. “Não se trata de um concerto para nós, humanos, mas sim para um público vegetal, isto é, para plantas. No concerto inaugural, a 22 de junho de 2020, no Liceu de Barcelona, assistiram 2.293 plantas – no exato dia em que terminava o estado de emergência em Espanha. De uma forma totalmente inesperada e absurda, tornou-se uma notícia global. Aparecemos nos noticiários de 125 países, nas primeiras páginas de jornais e publicações como ‘Le Monde’ e ‘National Geographic’, e isso abriu-nos muitas portas, desde salas de concertos a museus”.

No caso de Lisboa, as plantas não vão à ópera, nem ao museu. É o conceito e os músicos que vão ter com elas, neste caso à Estufa Fria de Lisboa, esse jardim centenário ao cimo do Parque Eduardo VII. Está previsto para outubro, mas, até lá, outro projeto irá nascer. “Herbário”, um berçário de madeira, já se encontra em curso no Jardim da Estrela, e conta também com a colaboração dos artistas Rodrigo Bettencourt da Câmara, Teresa Palma Rodrigues, Ana Fonseca e Sílvio Rosado.

E depois de Lisboa? Que outros locais icónicos gostaria de intervencionar? Primeiro um sorriso, depois veio a resposta, com uma expressão irónica. “Gostaria de um local icónico como o Kremlin!” E acrescenta, “Estrasburgo também, por exemplo. E o Parlamento alemão, ali mesmo ao lado da Porta de Brandemburgo”. Uns segundos de silêncio e os seus olhos já desenham um novo sorriso. A imaginação não para. “Quiçá, uma cidade inteira ligada a um computador que emite para o espaço este pedido de ajuda!”.

Termina dizendo que “esta peça deixa em aberto muitas possibilidades, e é sempre importante ter em consideração os espaços conceptuais que possam acrescentar-lhe valor simbólico, como é o caso do Panteão Nacional, em Lisboa”.

Este “S.O.S” pode ser visto até dia 21 de maio, entre as 21h00 e as 23h00. 

Os créditos do vídeo são de Eugenio Ampudia.

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