A força incontrolável do mar e do destino… Por mais que tentemos convencer-nos de que os controlamos, no final acabaremos por reconhecer a sua supremacia. Assim acontece com a família de “Uma Barragem Contra o Pacífico”, de Marguerite Duras. A história tem lugar na Indochina, onde uma viúva com filhos para criar decide investe as suas economias numa concessão atribuída pelo governo, na esperança de que a exploração dessa terra seja a solução para os seus problemas financeiros e uma porta para a riqueza.
O pior acontece quando percebe ter sido enganada, assistindo indefesa às terras da sua concessão serem dragadas pelas águas do Pacífico durante grande parte do ano, impossibilitando o seu cultivo. Numa tentativa desesperada, manda erguer uma espécie de barragem para conter as águas do mar, sem que o seu propósito seja alcançado.
Eis o primeiro pensamento que nos ocorreu perante o título que dá nome à exposição de Alice F. Martins – “Uma Barreira Contra o Pacífico” – que o Museu do Oriente, em Lisboa, inaugura no dia 9 de fevereiro. Depois mergulhamos nas 46 fotografias a preto e branco que nos transportam para Hudai, na região costeira de Sanriku, província de Iwate, uma das zonas do Japão mais afetadas pelo Grande Sismo de 2011. Além da destruição causada pelo terramoto, a força do abalo originou um tsunami que varreu o nordeste da costa japonesa, mas ao contrário de povoações vizinhas, Hudai sobreviveu quase intacta.
A lente de Alice F. Martins capturou Hudai como caso de estudo e, também, como reflexão sobre a memória, a cidadania e a sustentabilidade. E procura, modestamente, responder à pergunta: “como é que o Japão se prepara para o risco quase permanente de destruição?”. Ao contrário de povoações vizinhas, Hudai sobreviveu quase intacta ao tsunami que varreu o nordeste da costa japonesa após o grande sismo de 2011. A exceção deveu-se a uma infraestrutura de muros e comportas hidráulicas, que funciona como uma barreira anti tsunami e que se estende por 200 metros de comprimento e 15,5 metros de altura.
Embora seja uma construção relativamente comum no Japão, a barreira de Hudai distingue-se pela forma como o projeto foi concebido, pela sua dimensão, ajuste à topografia da região, e consideração por catástrofes ocorridas no passado. Ou seja, existe a preocupação de plasmar aqui memória, cidadania e sustentabilidade, tomando como ponto de partida o muro e a praia de Hudai, a vila e os seus arredores.
Mandado edificar entre 1972 e 1984 pelo mayor Kotoku Wamura, reflete a memória e saber de quem assistiu à devastação causada pelo sismo e tsunami de 1933, um dos mais violentos na história da região. Wamura bateu-se pela construção de uma barreira anti tsunami maior e mais dispendiosa, convencido de que o futuro reservava uma catástrofe ainda pior. Se à época foi duramente criticado pelos custos e impacto na paisagem, hoje Wamura é considerado um herói e visionário pela população.
Porquê Hudai, no Japão?
Alice F. Martins é formada em Fotografia e Ciência Política e Relações Internacionais, e quis perceber como o Japão se prepara face ao risco permanente de destruição causada por uma catástrofe natural, em contraste com Portugal. Foi assim que, no âmbito de uma bolsa de curta duração atribuída em 2019, resultante de um protocolo entre a Fundação Oriente e o Ar.Co – Centro de Arte & Comunicação Visual, pode desenvolver este projeto.
A exposição “Uma Barreira Contra o Pacífico” pode ser vista no Museu do Oriente até 21 de maio. A entrada é gratuita.