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Uma em cada dez pessoas empregadas é pobre

Trabalhar não é suficiente para fugir à pobreza em Portugal. De acordo com o relatório “Portugal, Balanço Social 2022”, após as transferências sociais, uma em cada dez pessoas empregadas está em risco de pobreza. Já entre os desempregados, risco chega a quatro em cada dez.
16 Maio 2023, 11h00

Não são somente os desempregados que estão em risco de pobreza em Portugal. Num país marcado por baixos salários, trabalhar não é suficiente para escapar a essa situação e mais de uma em cada dez pessoas empregadas estão em risco de pobreza; fatia que, ainda assim, emagreceu entre 2020 e 2021. Estas dados constam do relatório “Portugal, Balanço Social 2022”, que foi lançado esta terça-feira pela Fundação la Caixa, o BPI e a Nova SBE.

“Em 2021, a taxa de risco de pobreza após transferências sociais foi de 16,4%, dois pontos percentuais abaixo de 2020 (18,4%)”, revela o relatório assinado por Bruno P. Carvalho, Miguel Fonseca e Susana Peralta, que precisa que foi principalmente entre as mulheres que esse indicador recuou (2,4 pontos percentuais).

De notar que em 2020, ano significativamente marcado pelos efeitos da pandemia, o risco de pobreza para o conjunto do país tinha aumentado 1,6 pontos percentuais para os tais 18,4%, pelo que o mencionado recuo de dois pontos percentuais é sinónimo de um regresso aos níveis pré covid-19.

Tal como em 2019, a incidência da pobreza é maior entre os desempregados, famílias monoparentais e indivíduos menos escolarizados”, sinalizam os especialistas. Em maior detalhe, em 2020, 40,5% das pessoas desempregadas eram pobres e mais de uma em cada dez pessoas empregadas estavam nessa situação.

Já em 2021 os dados (que ainda são preliminares) mostram que a taxa de pobreza entre os empregados recuou 0,9 pontos percentuais para 10,3%. É uma descida com alguma relevância, mas significa que cerca de uma em cada dez pessoas que trabalha continua a correr risco de ser pobre, mesmo após transferências sociais.

O crescimento dos salários tem sido uma das lutas do Governo, que tem subido, ano após ano, o salário mínimo nacional e fixou um referencial para os aumentos no privado num acordo celebrado na Concertação Social, mas os ordenados portugueses continuam a comparar mal com os dos demais países europeus e ainda há uma fatia considerável dos trabalhadores em risco de pobreza, como mostram os dados conhecidos esta segunda-feira.

Já entre os desempregados, em 2021, 43,4% estavam em risco de pobreza, menos 3,1 pontos percentuais do que em 2020.

Também a desigualdade de rendimentos encolheu em 2021, indica o relatório “Portugal, Balanço Social”. “O coeficiente de Gini diminuiu de 33, em 2020, para 32, em 2021. O mesmo se verificou para o indicador S80/ S20, que diminuiu 11% para 5,1, e para o indicador S90/ S10, que diminuiu 13% em 2021, face a 2020”, lê-se no estudo.

Quase 14% com privação material e social

Os dados citados pela análise conhecida esta manhã permitem perceber também que em 2021 13,5% dos residentes em Portugal enfrentavam privações materiais e sociais, mais 0,8 pontos percentuais do que em 2020. A maior privação, é sublinhado, prende-se com a possibilidade de usufruir de, pelo menos, uma semana de férias fora de casa. Segue-se a privação de fazer face a despesas inesperadas e, depois, a privação de substituir móveis usados.

“Quando comparadas com a família média, as famílias pobres em 2021 têm piores condições habitacionais (18,8% viviam em alojamentos sobrelotados), uma saúde pior (21,5% classificam o seu estado de saúde como mau ou muito mau) e mais dificuldade em aceder a cuidados de saúde (19,3% não conseguiram aceder a consulta ou tratamento de medicina dentária em pelo menos uma ocasião)”, explica ainda o “Portugal, Balanço Social”.

E no que diz respeito às faixas etárias mais afetadas, os especialistas concluem que em 2020 20,4% das crianças em Portugal eram pobres. São mais de 345 mil crianças, sendo que aquelas que são mais pobres tendem a ter um menor acesso à educação pré-escola e enfrentam maior insegurança alimentar.

Já entre os mais velhos, indica-se que 20,1% das pessoas com 65 anos ou mais anos eram pobres em 2020 (465 mil pessoas) e mais de 20,9% estavam em privação material e social. “Entre as pessoas pobres com 65 ou mais anos, 36% não conseguem manter a casa aquecida, 18,3% não tinham capacidade para comprar alimentos para fazer refeições completas e saudáveis e 5,4% sentiram fome, que não conseguiram satisfazer por falta de dinheiro”, alerta o estudo.

Impacto da pandemia nos rendimentos dos portugueses

A Organização Mundial da Saúde pode até já ter declarado o fim da pandemia, mas os efeitos da covid-19 na vida dos portugueses prometem deixar uma herança. É que em 2020, 18% dos agregados sentiram uma diminuição do rendimento por causa, sobretudo, do decréscimo do tempo trabalho e da perda de emprego. O recuo foi ainda mais grave entre os mais pobres: 22,8%.

“Durante esse ano, 13% da população total e 13,8% da população pobre recebeu apoios financeiros relacionados com a pandemia. Os apoios dirigidos a trabalhadores por conta de outrem, que incluem o lay-off simplificado, foram mais comuns entre a população total (6,2%) do que entre os pobres (3,1%)”, explicam os especialistas da Nova SBE.

Por outro lado, 2020 foi um ano marcado pelo ensino online, mas uma em cada dez criança pobres entre os cinco e os 15 anos não conseguiu assistir a aulas por essa via, o dobro da média.

E apenas 32% dos trabalhadores conseguiram trabalhar a partir de casa durante a pandemia, percentagem que baixa para 15% entre os trabalhadores pobres, “sobretudo devido à incompatibilidade da função com trabalho remoto”.

Já quanto à saúde, na população total, 37,9% das pessoas reportam ter tido consultas ou tratamentos médicos planeados e cancelados por causa da pandemia. Entre os pobres, esta percentagem foi de 29,2%. Mais, os especialistas avisam que a pandemia afetou negativamente a saúde mental de 26,6% das pessoas em média, e de 29,6% das pessoas pobres. 

Custo de vida agrava-se e deixa portugueses em dificuldades

O agravamento do custo de vida tornou-se mais evidente particularmente no último ano, como efeito também da guerra na Ucrânia, mas já antes era sentido pelos portugueses. Em 2020, mais de oito em cada dez pessoas pobres afirmava ter dificuldade em pagar as despesas usuais. Na população geral, essa proporção era de seis para dez pessoas.

“No que diz respeito à insegurança alimentar, em 2021, em 20,6% dos agregados pobres houve a preocupação de não ter comida suficiente, em 13,1% as pessoas comeram menos do que deviam, e em 2,4% sentiram fome não satisfeita por falta de dinheiro ou outros meios. Na população geral, estas percentagens são de 7,3%, 5,1% e 2,4%, respetivamente. A qualidade da alimentação também é inferior entre os pobres”, é apontado esta terça-feira.

Por fim, no que diz respeito aos custos com habitação, as famílias gastavam, em média, em 2021 20,5% do seu rendimentos disponível. Entre os mais pobres, a taxa de esforço chegava mesmo a 38,4%, muito acima do recomendado. “Nesse ano, 34,4% dos agregados pobres tinham encargos excessivos com a habitação (10,1% para a população em geral)”, é também concluído.

O relatório “Portugal, Balanço Social 2022” foi realizado no âmbito da Iniciativa para a Equidade Social, programa plurianual estabelecido entre as instituições referidas, com o objetivo de traçar o retrato socioeconómico das famílias portuguesas e descrever a situação social no país.

Esta terça-feira foi apresentada a terceira edição desse retrato, que teve por base os microdados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), de 2021.

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