O tema mais presente neste período pré-eleitoral tem sido o de uma eventual maioria absoluta do PS nas próximas eleições legislativas, de tal modo isto parece fazer parte do programa eleitoral de todos os partidos.

As pungentes trocas de piropos entre António Costa e Catarina Martins a propósito de uma maioria e os manifestos ciúmes de Jerónimo de Sousa, remetem as propostas eleitorais para um plano secundário, como se aquela fosse a quintessência das eleições. Mas antes deveríamos discutir se temos uma carga fiscal excessiva, como incentivar o investimento privado, onde realizar e como financiar o investimento público.

É sabido que António Costa não quer ficar refém do Bloco de Esquerda. Embora mesmo que tivesse uma maioria, seguramente celebraria um acordo com a esquerda em tudo semelhante ao que vigorou nesta legislatura, tal como fez quando estava na Câmara de Lisboa.

Neste mandato, o PS teve uma maioria absoluta. Em nada do que se propôs deixou de contar com os votos que necessitava. Ora à esquerda, nos orçamentos anuais ou em tudo o que foi necessário para desfazer o que tinha sido feito durante o tempo da troika, ora virando-se para o centro-direita, em matérias de segurança, defesa e compromissos europeus, o PS obteve sempre o resultado que pretendia.

Por isso nada justifica o apelo a uma maioria absoluta, situação que aliás o PS e o seu líder não tiveram ainda a coragem de assumir diretamente. Se o PS já se comporta com uma grande arrogância e uma autoridade total, sem qualquer controlo pelo Parlamento, os socialistas teriam o caminho aberto para a arbitrariedade, autoritarismo e prepotência.

Claro que os parceiros dos socialistas querem vender caro o seu apoio, e desta vez o BE deixa à evidência a sua vontade de participar no governo, tal como o Podemos proclama em Espanha. E depois de Costa ensinar a Pedro Sánchez como construiu a geringonça, este não tendo aprendido a lição, pode devolver aos seus camaradas portugueses os trilhos de não conseguir encontrar uma solução estável de governo.

O próximo governo governará à esquerda. E não se entende como é que Portugal, ao contrário dos restantes países europeus, opta pelo paternalismo do Estado sem explicar como vai financiar a crescente presença deste em todos os domínios. Não falo do já famoso e desnecessário episódio das casas de banho e da luta pela ideologia do género, mas servem para ilustrar a dimensão da intervenção do Estado em todos os domínios do nosso quotidiano.

O PS não merece uma maioria absoluta. Nem pela atual governação, nem pelo seu passado próximo, no qual se deixou enredar pelos seus próprios tentáculos. O folhetim da governação familiar e os múltiplos episódios de perda de transparência e falta de cuidado no envolvimento de negócios públicos aconselham a que se mantenha um forte mecanismo de controlo, atenção e prevenção, a começar pelo Parlamento.

António Costa já mostrou ao que vai. No melhor espírito de impunidade, se a lei não interessar muda-se ou interpreta-se para além da respetiva letra. Se o parecer for contrário ao pretendido não se homologa, ou se a situação provocar perda de popularidade, desvia-se a atenção. O espírito de serviço próprio, o alcance do serviço público, o objetivo de prossecução do interesse público terá a dimensão que uma maioria proporcionar.

Para evitar este comportamento democraticamente sufragado, é fundamental não proporcionar uma maioria a este PS. Temos de deixar que o eleitorado, através dos seus representantes, mantenha um controlo e um laço numa espiral de absolutismo que daí iria derivar. As maiorias justificam-se quando os seus protagonistas demonstram saber merecê-las. O PS não o demonstra e não a merece.