A crise habitacional em Portugal está descontrolada. De acordo com o INE, o preço das casas cresceu quase 60% em Lisboa, 50% no Porto e 45% na Amadora em apenas alguns anos. No arrendamento a situação ainda é pior, com as famílias a gastar entre 35% e 70% do rendimento total na habitação.

Face a este problema, o Governo apresentou um Programa de Arrendamento Acessível, mas em mais de seis mil candidaturas, apenas 20 contratos foram realizados, ou seja, uma taxa de sucesso de 0,04%.

Este programa, apresentado pelo ministro Pedro Nuno Santos, já tinha dado que falar porque, apesar de ser anunciado como “arrendamento acessível”, as rendas propostas são proibitivas para a maior parte das famílias. Se um T1 em Lisboa custar 640 euros em vez de 800 euros, conforme a proposta do Governo, apenas 20% abaixo do preço de mercado, as famílias continuarão em sobrecarga de despesas com a habitação.

Um estudo publicado na passada semana dá conta do falhanço deste programa, porque continua a não dar resposta às necessidades de habitação de 75% da população de Lisboa e 70% da população do Porto. Dentro do próprio Partido Socialista choveram críticas encabeçadas pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa Fernando Medina, tal é a disparidade de valores apresentados em comparação com a realidade que os cidadãos enfrentam.

A crise na habitação só se resolve com uma maior diversidade de respostas, com mais investimento e, sobretudo, com mais arrendamento público a custos controlados, ou seja com casas entre os 150 e os 500 euros. Mais de 20 anos de governos PS e PSD e nada foi feito. Portugal nunca apostou nessa política e, por essa razão, temos apenas 2% de habitação pública quando a média europeia é de 15%. É um caminho essencial, mas que vai demorar o seu tempo a construir.

O mercado habitacional não está regulado e o Estado tem o dever de intervir, de ser o garante do direito à habitação. Não podemos continuar com a actual “pescadinha de rabo na boca”: os preços sobem de forma incomportável para os salários nacionais e as pessoas são expulsas para zonas periféricas, ou não infraestruturadas, onde os custos de habitação são mais baixos, conforme as regras ditadas pelo mercado imobiliário.

Isto não é sustentável de nenhum ponto de vista. Nem ambiental, nem humano, nem social, nem económico. Estamos a construir bolhas imobiliárias, independentemente das consequências sociais que isto provoca na sociedade.

Acontece que o solo é limitado e a habitação necessita de infraestruturas públicas, redes de serviços e equipamentos. Não podemos cometer os mesmos erros do passado e criar bairros inteiros sem infraestruturas, sem garantir o respeito pela qualidade de vida das pessoas.

Temos de fazer diferente. Há uma outra forma de mobilizar recursos para combater a crise na habitação que tem estado longe do debate público: o condicionamento das operações urbanísticas privadas. Os promotores privados podem e devem ser obrigados a disponibilizar parte das habitações novas ou recuperadas para habitação permanente, a arrendamento acessível ou custos controlados.

Ou seja, com esta proposta as câmaras municipais apenas podem licenciar novos empreendimentos ou recuperações que tenham uma parte dos fogos destinados a um programa de habitação público. Tipicamente 25% do edificado total.

Será pedir demais? Não é, e já acontece em várias cidades europeias como Barcelona ou Edimburgo, onde os promotores imobiliários têm de contribuir com 30% e 25% de habitação a custos controlados, respetivamente. É uma solução que já faz parte das respostas urbanísticas há várias décadas na Europa, mas ainda não chegou a Portugal.

Esse mecanismo permite ligar o crescimento dos fogos de habitação a custos controlados ao crescimento da oferta privada, garante um estabilizador automático dos custos das casas dificultando a especulação imobiliária, captura uma parte das mais-valias excessivas dos privados e redistribui a riqueza criada pelo setor imobiliário.

As câmaras municipais devem estabelecer metas habitacionais municipais tendo em conta as carências existentes e a sua distribuição pelo território nacional. Os novos empreendimentos privados, construções novas ou grandes reabilitações têm de ser parte da solução e destinar fogos a um programa de habitação público. Tipicamente 25% do edificado total deverá ser destinado a um Programa Municipal de Habitação.

O Bloco de Esquerda apresentou esta proposta e estabeleceu-a como base do acordo com o Partido Socialista para a Câmara Municipal de Lisboa. Os entraves colocados com a inexistência de legislação que permitisse avançar com esta medida foram agora ultrapassados. A Lei de Bases da Habitação aprovada, após um extraordinário trabalho da esquerda no Parlamento, garante a lei habilitante necessária para avançarmos com esta medida em todo o país.

O próprio vereador Manuel Salgado afirmou na sua entrevista de despedida ao Expresso que o município de Lisboa teria de o fazer. Resta saber se Fernando Medina quer encontrar outro entrave para continuar a adiar soluções reais para a crise da habitação.