Foi notória a pouca afluência de “espectadores” às cerimónias fúnebres de Mário Soares. São muitos os fatores que o podem explicar: o frio; o ser um dia de trabalho; a boa cobertura mediática que permitiu seguir com detalhe e conforto todos os momentos das muito bem organizadas homenagens; o facto de Mário Soares não surgir em capas de revistas coloridas nem ser um ponta de lança de uma qualquer equipa de futebol; ou, apenas, o facto de uma grande parte dos jovens portugueses não ter ainda chegado à página do manual de história que relata os importantes momentos protagonizados ou promovidos pelo “pai da democracia” – que em breve vão transformar em cábula pequenina com este título e com a referência “Soares é fixe”, em busca de uma nota no exame nacional que lhes permita entrar num qualquer curso superior.

O calão ajudou a firmar os créditos deste político grande que se agigantou por ser “fixe”. Fixe era nas caravanas e comícios conseguir calendários, autocolantes, t-shirts e bonés com a palavra fixe, numa altura em que os coloquialismos ainda não tinham sido democratizados pelos reality shows. Pode dizer-se que nas campanhas políticas um empurrãozinho do marketing foi sempre uma pedra basilar. Foi assim com o próprio slogan “Soares é fixe”, alegadamente atribuído a um ex-dirigente da Juventude Centrista, de nome Adelino Vaz, que se passara para o campo soarista (apesar da candidatura da direita ser encabeçada por Freitas do Amaral).

Momentos há em que a política do cartaz e do brinde se sobrepõe à ideologia. Acusam-se os mais novos destes não se interessarem pelos feitos dos heróis do passado, mas muitos dos mais velhos tampouco saberão dizer mais sobre Mário Soares para além de que este era o “político-bochechas-que-andou-montado-numa-tartaruga” – tal foi a difusão pelos media destas imagens icónicas. No auge das mais aguerridas iniciativas políticas de Soares, discutia-se muito, mas questionava-se pouco e aceitava-se mais. Não estávamos no tempo das televisões, mas das ações. Não se seguiam as detenções em direto através de canais sensacionalistas, nem se faziam manchetes com sovas ou perseguições. Fazia-se tudo “na calada”.

Quando foi alcançada, a “Liberdade” era um conceito pouco percebido por aqueles que continuavam taciturnos apenas porque haviam nascido nessa condição e não sabiam viver de outro modo. Por outro lado, como explicar mais tarde essa “Liberdade” a quem dela nunca fora privado e nascera na mais desprendida das condições? Talvez por isso, quando se recorda Soares, se repesquem temas mais marketeiros e próximos do “mundo do fantástico”. É mais fácil compreender um slogan que ainda hoje é apelativo, interpretar um cartoon engraçado ou reportar um cenário de prisão para uma qualquer série televisiva do momento, do que procurar entender a filosofia ou as intenções cívicas que subjazeram às atitudes do político. É certo que o marketing pode, por vezes, subvertê-la, mas está sempre pronto para servir a política.

Assim é também nos Estados Unidos da América. A primeira conferência de imprensa de Trump foi seguida entusiasticamente pelos que o amam e pelos que o odeiam. O novo Presidente dos EUA está bem consciente da máxima “there’s no business like show business”. O político tem essa grande função de entreter o “seu público”. É mister atear alguma chama, já que dos “apagados não reza a história”.

Trump lançou mão da velha estratégia de encontrar um inimigo logo no primeiro dia: neste caso virou-se para a CNN. Em poucos segundos desafiou um dos maiores canais de televisão do mundo, mandou calar o jornalista e recusou responder a uma questão dessa estação norte-americana. Com o dedo apontado em riste, Trump acusou o canal de ser terrível, de ter notícias falsas e, sobranceiramente, respondeu a Jim Acosta, correspondente da CNN na Casa Branca, “not you”, quando já o imaginávamos a dizer “you’re fired”. O circo está montado e a própria CNN veio, a propósito deste incidente, dizer o seguinte: “This is the Trump paradox: Trump and the press hate each other yet they feed off each other”.

Cada um chama a atenção para os seus ideais da maneira possível e com os meios que tem disponíveis, sabendo que dificilmente conseguirá gerar unanimismos. Como Soares, também Trump não é consensual, mas é livre. É neste ponto que estes dois homens se tocam. A este propósito, recordo como se fosse hoje o “Rock da Liberdade” que serviu de banda sonora à campanha presidencial de Soares em 1986, com música de Rui Veloso e com a, ainda tão atual, letra de António Pedro Vasconcelos: “Ai, que bom / Nós podermos discordar / Podermos mudar de sítio ou de paixão / Não confundir o destino com azar / Andar de braço dado com a razão / P’ra nós só há liberdade / Dizer sim ou dizer não / Poder viver em paz com o coração!”.