Tem que ser, tenho que vos falar do Brasil. Tenho que vos falar da desinformação que por lá vigora. Mas não vos vou tomar tempo com tudo o que tem vindo a ser dito e repetido, muitas vezes magistralmente, na minha opinião, sobre os perigos do que se passa naquele país. A discussão é quase contínua, e acreditem que tenho participado nela avidamente, no que implica não estarmos, necessariamente, a falar de esquerda e de direita, no que implica que a democracia seja usada por outros valores e pessoas que não são democratas, etc.

Já devo ter ouvido a maioria dos argumentos para as pessoas votarem Bolsonaro ou Haddid. Já argumentei fervorosamente a minha posição, já ouvi verdadeiras barbaridades e até coisas que parecem fazer sentido, pelo menos à superfície. Ainda assim, acredito que haja muita falácia escondida em boas (?) intenções. É por isso que hoje vos falo de criminalidade e de punição da criminalidade. Essa é, como sabem, uma das linhas de discussão sobre o problema em questão.

Há algumas teorias que defendem que a exposição de pessoas a certos crimes faz com que estas defendam políticas mais punitivas para os criminosos, talvez seja por isso que a Lei não se possa basear nas experiências (dolorosas) de uns e de outros. Todavia, nem todos os estudos empíricos confirmam esta perspectiva. Mais, análises recentes indicam que há uma forte relação entre o facto de as pessoas assistirem a programas de televisão de cariz regional e outras características, como o número de partidários conservadores e a raça da pessoa em causa, e a defesa de um aumento da punição de crimes e até do apoio à pena de morte (ver, por exemplo, Kleck e Jackson, 2017).

Imaginem quando se começarem a estudar os efeitos das chamadas fake news divulgadas também por WhatsApp no Brasil e a percepção dos crimes no país, a propósito desta última campanha eleitoral. Parece que a maneira como os crimes são apresentados nos meios de comunicação social implica, conjuntamente com outras variáveis, uma alteração da percepção das pessoas sobre os crimes em si, mais até do que a realidade criminal em si. Este é um bom ponto de reflexão e que nos deve fazer pensar. Não que a percepção de certos eventos, como crimes, apague a existência dos mesmos, mas o que implica este framming das notícias relativamente à criminalidade em si.

Vários estudos sobre os EUA têm demonstrado que nos estados onde existe a pena de morte há uma maior probabilidade de o número de homicídios ser mais elevado do que nos estados onde a pena de morte foi abolida ou, na prática, não é aplicada.

Claro que se pode argumentar que os estados onde exista a pena de morte tinham já elevados níveis de criminalidade, daí a existência deste tipo de sentenças. Podemos argumentar nesse sentido, obviamente, mas ainda assim fica por explicar porque é que a pena de morte não reduz, por si só, o número de homicídios, como tanta gente parece querer acreditar. No mínimo, pode dizer-se que a pena de morte não é eficaz no sentido de diminuir este tipo de crimes, logo existe apenas e só como medida de “olho por olho”.

Acreditar que no Brasil, como tem sido advogado por Bolsonaro, a pena de morte e outras medidas do género, como a possibilidade de a população ter acesso legal a armas, vão diminuir a criminalidade é só um exercício de fé, não consubstanciado em estudos de cariz científico realizados em vários pontos do globo. Mas se é de fé e com fé que argumentamos estes assuntos terrestres, então não há raciocínio que nos/vos valha ou salve.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.