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Vamos acreditar que os bancos centrais conseguem controlar a inflação

Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu, acredita que a inflação elevada possa perder força no segundo semestre de 2022. Todos os cenários partem desta premissa e a estratégia para a poupança não foge à regra.
22 Janeiro 2022, 15h00

“Os países desenvolvidos deverão seguir políticas monetárias e orçamentais ainda acomodatícias”. Esta é uma conclusão da equipa de research do Millennium bcp e que reflete o consensos dos analistas contactados. E é a partir desta premissa que os gestores estão a apostar nas estratégias ao nível da poupança e da reforma.

“A inflação não será permanente acima dos 5%, mas irá permanecer acima do objetivo do banco central (BCE), que é de 2%”, afirma Pedro Lino, CEO da Optimize. A contribuir para a escalada de preços, adianta o responsável, está a pressão dos combustíveis, da eletricidade e do gás, que irá permanecer no tempo. Pedro Lino salienta que a Europa depende muito do gás e que o escalar do conflito Rússia/Ucrânia apenas agrava a situação. A nível de logística, afirma, temos “disrupções momentâneas e alterações de consumo, como é o caso dos chips”. Este cenário de escassez de chips – que afeta várias indústrias, mas com destaque para o setor automóvel – irá permanecer durante mais um ou dois anos, estima. E conclui que a inflação futura “não irá acontecer ao ritmo dos 5% atuais, mas seguramente ficará acima dos 3%”.

As decisões dos bancos centrais ao longo de 2022 serão determinantes para a proteção do dinheiro, perante a eventual escalada inflacionista e consequente necessidade de uma política monetária restritiva com a subida dos juros. A posição da Reserva Federal e do BCE é diferente, até porque as geografias económicas estão em estádios diferentes de recuperação económica e esta tem tido um efeito avassalador sobre os preços da energia e de outras matérias-primas, com a Europa a ressentir-se e a inflação média a ultrapassar em muito a fasquia dos 2% desejados pelo BCE. Em dezembro significou um pico na erosão do dinheiro, com a inflação a situar-se em torno dos 5%. Mas Christine Lagarde, presidente do BCE, está confiante e espera que a inflação caia e volte ao nível pretendido. E, mais recentemente, o vice-presidente do BCE Luis de Guindos dizia que a inflação na zona euro “não é transitória, como estimavam as previsões há alguns meses”. Num recente comentário relativo à colocação de Obrigações do Tesouro pelo IGCP, Filipe Silva, diretor de Investimento do Banco Carregosa afirmava que “uma inflação persistente, elevados preços da energia, interrupção da cadeia de abastecimento e os efeitos da nova variante do vírus” são fatores que levaram a uma subida generalizada dos prémios de risco. No entanto, o consensus diz-nos que, a haver subida da taxa de juro diretora, tal irá acontecer no início de 2023”.

Já Rui Machado, diretor de Investimento da gestora IMGA, afirma ao JE: “Antecipamos o regresso ao normal e não prevemos taxas ao nível do que tivemos há uns anos, a normalização pode ir para o nível de 1% a 2%, o que já é um valor incrivelmente superior ao que existe na atualidade”. O BCE, nota o responsável, usou um termo feliz para descrever o atual nível de inflação como “transitório” e acrescenta que esta palavra “dá para tudo, sobretudo permite que os bancos subam as taxas, mas não de forma muito agressiva”. Mas os analistas da gestora têm “dificuldade em ver uma inflação persistente”. “A inflação será mais elevada, mas todos os fatores de longo prazo – como a demografia e a sobrecapacidade instalada nas indústrias – não permitirão uma subida de preços exponencial. Acredito que daqui a dois anos falaremos de sobrecapacidade e de preços a baixar”, salientou.

Como proteger a poupança
Para responder vamos pôr cenários: o que se espera de um agravamento da inflação e de uma consequente subida dos juros. A intensidade do tapering, ou seja, da retirada de estímulos, alterando a política monetária de acomodatícia para restritiva, irá ditar a orientação dos mercados, enquanto a intensidade de subida dos juros irá orientar as soluções de proteção que os investidores irão escolher.

A primeira questão que se coloca é perceber se no mercado existem instrumentos com ausência de risco ou com risco controlado que permitam ganhos anuais iguais ou superiores à inflação. O INE divulgou o valor final de inflação média em Portugal para 2021 que se situou em 1,3%, depois de previsões de 0,9% (em dezembro, a variação homóloga da taxa de inflação portuguesa foi estimada nos 2,8%). Se olharmos para instrumentos financeiros, como os depósitos a prazo tradicionais, constata-se que nem sequer as propostas para depósitos de prazos curtos e que têm a função de captação de clientes conseguem superar o valor da inflação previsto. E o mesmo acontece com depósitos estruturados com garantia de capital e em que o resultado final vai depender de um subjacente, geralmente ações. Aqui o risco é perder exatamente o valor da erosão. E quando falamos em aplicações em produtos do Estado, nomeadamente Certificados do Tesouro, o resultado não é muito diferente. Como vimos, a escolha dos ativos de defesa depende do nível de inflação. José Brandão de Brito, economista-chefe do Millennium bcp, explica que se a inflação for transversal os ativos de defesa “são os ativos reais, imobiliário residencial, ações de empresas não cíclicas, como as utilities da saúde e isto porque são atividades pouco afetadas pela subida dos preços”. Acrescenta que, “historicamente, os metais preciosos têm uma correlação boa em termos de preservação de valor”.

Frisa que as ações de defesa por parte dos investidores dependem do que acontecer à política monetária. A situação atual, com juros negativos e a inflação a subir, beneficia o crescimento nominal e neste cenário é interessante avançar com investimentos, sendo favorecidas as ações mais cíclicas. Mas se, pelo contrário, as taxas de juro subirem, o impacto sobre o investimento é negativo e os principais veículos de preservação são o imobiliário e as empresas menos cíclicas. E conclui que, “se a inflação for elevada, é de evitar ter grande parte de valores em cash ou com produtos semelhantes já que se haverá uma perda do poder de compra”. E mais. Diz que em caso de taxa de juro real elevada, uma das melhores formas de preservação do capital é aplicar nos esquecidos depósitos a prazo, já que estas taxas irão acompanhar a inflação e, dessa forma, deixar o dinheiro no banco a render.

Ações
Uma outra possibilidade de risco para quem se quer proteger da inflação é aproveitar o “rally” das ações que ainda vem de 2021. E que tudo indica que irá continuar se as políticas monetárias dos EUA e na Europa não sofrerem ruturas abrutas, ou seja, a política não passar a ser marcadamente restritiva. Diz Pedro Lino, da Optimize, que, para “quem olha para o longo prazo, os ativos de risco continuam a ser a melhor opção para a proteção das poupanças da inflação, sobretudo num período como o atual, em que se pratica a gestão de expetativas por parte dos bancos centrais, com estes a anunciarem subidas de juros para os agentes económicos se irem adaptando”. Mas o que teremos, avança, ”é um período de grande volatilidade, com trimestres em que as ações sobem 20%, seguido de outro em cairão 10%. Por outro lado, nos EUA o ativo líquido, o cash, passará a ser remunerado, e passará a ser visto como um ativo de refúgio, que não era até agora. Com taxas de 1% a 1,5%, a liquidez passará a ser um ativo e teremos fluxos entre ações, liquidez e obrigações. E friso: a volatilidade irá aumentar muito nos próximos dois anos”.

Questionado sobre estratégias para produtos ligados à reforma, Pedro Lino diz que “quem pensa na reforma tem de ter em conta os objetivos de longo prazo. As empresas que tenham liquidez podem subscrever PPR e ir para fundos de investimento mistos ou fundos de obrigações que tenham uma maior componente de obrigações indexadas à inflação. Por outro lado, para os próximos dois anos, o nosso cenário central indica que as obrigações de governos serão um péssimo investimento, tal como já o são atualmente”. E sobre a opção por fundos multi-ativos que geraram bons resultados em 2021, diz que vão ter maior volatilidade. “As obrigações desta classe com risco 5 ou 6 têm uma exposição elevada a ações e, nesta ótica, é preciso ter em atenção que existirá uma rotação de setores, caso de tecnologia e outras empresas com boa performance. Vão ser alvo de vendas e essa rotação pode, mais uma vez, trazer volatilidade”. Pedro Lino recomenda risco moderado, ou seja para o longo prazo não se deve ir além do nível 3. Adianta que o nível 5 ou superior continua a ser muito interessante na atualidade, mas tudo depende “do horizonte temporal e da capacidade do investidor em conseguir dormir!”.

Na mesma linha, Nuno Serafim, CFO da 2iQ Research, refere que há grandes alterações sobre os sectores de investimento para o futuro, com a pandemia a acelerar o processo de digitalização das economias e a obrigar a adotarem políticas mais sustentáveis. Nuno Serafim acredita que perante um tapering mais agressivo nos EUA, a par de algum abrandamento económico, embora a crescer acima do potencial, “a inflação deverá desvanecer-se na segunda metade de 2022”. Entretanto “poderá acontecer uma correção do mercado, pois os índices estão em máximos, com níveis de liquidez muito elevados, mantêm-se grandes incentivos fiscais e os múltiplos das empresas estão muito altos. É perfeitamente normal que aconteça uma correção dos índices da ordem dos 10% a 20%”. Acrescenta que, neste cenário de correção do equity em 2022, “tipicamente os investidores optariam pelo mercado obrigacionista, mas este é desinteressante com os “treasuries” a 10 anos nos EUA a situarem-se em 1,4%, o que não paga a inflação, pois a taxa de juro real é negativa”. A política monetária e fiscal é desincentivadora para os mercados obrigacionistas, acrescenta.

Em termos macro não existe nenhum problema estrutural como em 2008, nem uma pandemia como a de 2020. Sendo que o atual momento continuará a condicionar a cadeia de valor e a logística e pode ter um impacto que não será prolongado, na taxa de inflação. Acrescenta o gestor que “migrar o investimento para obrigações não é uma alternativa duradoura”. No outlook da Schroders do início de janeiro sobre o mercado obrigacionista, Paul Grainger e James Bilson acreditam em mercados emergentes com aplicações em moedas locais durante este 1º trimestre. De qualquer forma a análise pode sofrer alterações à medida que os bancos centrais se forem apercebendo até que que ponto o nível de inflação persiste em manter-se elevado.

Ajuda à segurança social
Quando se fala em investimento para reformas no longo prazo, a primeira questão a ter em conta, releva fonte da área seguradora, é o facto de a Segurança Social não poder assegurar 100% do salário do contribuinte. Diz que em determinado momento conseguiu garantir 80% do último salário, mas as condições de acesso foram sendo alteradas e atualmente é valorizada toda a carreira contributiva, o que significa menos reforma, pois as maiores contribuições foram, na generalidade dos casos, os últimos anos. Nessa ótica, os particulares devem constituir um PPR ou um seguro de capitalização ou fazer poupanças em depósitos, enquanto as empresas poderão, através do chamado Segundo Pilar da segurança social, fazer contribuições adicionais para os funcionários. E estes três níveis de contribuições poderão permitir manter o nível de rendimentos no período pós vida ativa. A mesma fonte frisa que para se conseguir este objetivo terão de existir mecanismos de apoio, isenção de taxa social única e incentivos fiscais. As companhias de seguros têm sido os atores mais interventivos neste tema pois têm capacidade para atuar ao nível do Segundo Pilar. A banca é um dos setores mais prejudicados pois apenas releva o salário base e não toda a série de complementos que têm. Aliás, um estudo da OCDE de 2019 assinalava que o sistema de pensões português está sob stresse. A população não irá ultrapassar os nove milhões de pessoas em 2050, contra 10,7 milhões de habitantes em 2009. Preveem que em 2050 existirão sete pessoas com mais de 65 anos para cada 10 pessoas no ativo, o que compara com o rácio de 1 para 5 há 40 anos. A utilização do imobiliário como poupança principal a ser usada no final da vida ativo é outro modelo que terá de ser desenvolvido, alertou o mesmo gestor.

“O risco é quase inevitável nas carteiras, afirma Rui Machado, diretor de Investimento da gestora IMGA. Afirma que “as empresas continuam as repassar a subida de preços para o consumidor sem estarem a afetar a relação com a procura, ou seja, as pessoas não deixaram de consumir”. Adianta que se as taxas continuarem a subir irão colocar-se questões de política orçamental, e vai haver espaço para a subida de preços e os resultados das empresas vão continuar fortes. Rui Machado diz que o mercado acionista pode vir a desvalorizar pelo risco de taxas de juro, mas se estas mesmas taxas estabilizarem dentro de um nível próximo do zero, o mercado acionista irá estabilizar. Para quem faz poupança de longo prazo a alternativa “é balancear com fundos multi-ativos com taxa fixa e ações que procuram colmatar o risco de volatilidade sem perda do “up-side”.

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