Se lhe perguntassem se estaria na disposição de pagar por ar, muito provavelmente responderia que não. Mas, claro, tudo depende das circunstâncias. Como sabe que precisa de ar para respirar, se estiver num contexto em que há pouco ar ou em que a qualidade do ar não é a melhor, a sua resposta provavelmente mudaria…

Esta analogia serve para explicar o porquê de haver empresas na disposição a pagar pelo ar – mais concretamente, pela possibilidade de utilizar faixas específicas do espectro radioelétrico para fornecer serviços de telecomunicações móveis. Falamos dos leilões para as licenças móveis 5G que deverão ocorrer em outubro de 2020 em Portugal. Tal como no caso das licenças 4G, espera-se que exista uma grande cobertura mediática em torno deste leilão, não apenas pela importância que tem para os operadores, mas também pelos valores envolvidos.

A este propósito, podemos relembrar experiências anteriores em Portugal. Ao contrário de países como o Reino Unido ou a Alemanha, as (quatro) licenças 3G em Portugal foram atribuídas por concurso público em 2000/2001, tendo sido fixado um preço de 100 milhões de euros por licença. Por comparação, as cinco licenças que foram leiloadas no Reino Unido em 2000 atingiram um valor global de 38 mil milhões de euros, ou seja, em média 7,6 mil milhões de euros por licença.

Se fizéssemos um ajustamento populacional (a população do Reino Unido é cerca de 6 vezes superior à portuguesa), admitindo que um hipotético leilão em Portugal pelas licenças 3G teria sido tão bem-sucedido como o do Reino Unido levaria a um preço por licença de quase 1,3 mil milhões de euros, ou seja, 13 (!) vezes mais do que o valor efetivamente arrecadado. Esta simples comparação demonstra bem a grande utilidade que os leilões podem ter para, na realidade, ‘vender ar’ e, com essa venda, gerar receita pública – uma vez que os valores das licenças revertem a favor do Estado. E não são valores negligenciáveis: se o Estado português tivesse recebido essa receita em 2001, o défice público desse ano teria sido de 1% e não de 4,8%.

Em 2011, foi decidido realizar um leilão para as licenças 4G. A expectativa era grande e não havia um número fixo de licenças, mas sim um modelo de ‘geometria variável’ em que os operadores poderiam ‘construir’ a sua licença com base nos vários lotes de faixas do espectro radioelétrico que foram disponibilizados. A conjuntura económica não foi a melhor (2011 foi o ano da assinatura do memorando de entendimento com a troika), mas o facto de a ZON (agora NOS) ter decidido não participar (antecipando, já na altura, uma possível fusão com a Optimus, que só viria a ocorrer em 2013?) fez com que os três operadores conseguissem adquirir as licenças pelos preços mínimos aos quais foram disponibilizadas, levando a uma receita total de 372 milhões de euros. Na realidade, este foi um ‘não-leilão’ porque nada aconteceu.

Assim sendo, existe, naturalmente, alguma expectativa com o leilão para as licenças 5G. O modelo adotado é semelhante ao do 2011, com ‘geometria variável’. Inevitavelmente, a questão fundamental é a de aparecerem (ou não) novos operadores. O leilão foi desenhado por forma a criar condições mais vantajosas para novos operadores, nomeadamente através de ‘descontos’ no valor dos lotes, mas é uma incógnita, neste momento, se tal acontecerá – ainda para mais (novamente) num contexto económico adverso devido à pandemia. Não será surpreendente, portanto, se assistirmos novamente a um não-leilão, tal como em 2011…