[weglot_switcher]

Vice-Presidente da All4Integrity: “Corrupção é a principal causa do atraso no desenvolvimento e da prevalência da desigualdade”

Nesta entrevista ao JE, Ângela Malheiro explica como o programa de literacia anticorrupção RedEscolas AntiCorrupção pode ajudar ao desenvolvimento de uma cidadania esclarecida e ativa e contribuir para fomentar uma cultura de transparência e anti-corrupção.
23 Julho 2022, 17h07

A corrupção é a principal causa do atraso no desenvolvimento e da prevalência de desigualdade económica e social em Portugal, afirma Ângela Malheiro, professora de História no Colégio do Sagrado Coração de Maria – Lisboa, Vice-Presidente da associação All4Integrity, ao Jornal Económico. Estima-se que a corrupção equivalha a 8-10% do Produto Interno Bruto, aproximadamente 20 mil milhões de euros e que o montante dos casos de corrupção conhecidos equivale a 30% da dívida pública nacional (Paulo de Morais, 2015). Um problema que urge combater com todos os meios. A professora explica-nos a importância da educação para promover, no quadro dos valores de uma democracia participativa, o desenvolvimento de uma cidadania esclarecida e ativa e fomentar uma cultura de transparência e anti-corrupção. O propósito está na base da criação da RedEscolas AntiCorrupção, um programa de literacia anticorrupção, cuja segunda edição foi recentemente apresentada.

 

Apresente-nos o programa RedEscolas.

A 1ª edição da RedEscolas AntiCorrupção começou a ser delineada em março de 2021 por uma equipa de três pessoas que, desde a primeira hora, acreditaram no papel determinante e transformador deste programa. A sua divulgação foi feita intencionalmente a 9 de junho de 2021 – a cinco meses de se comemorar o Dia Internacional Contra a Corrupção (9 de dezembro).

 

A primeira edição do programa avançou imediatamente. Que balanço faz edição?

Diria que a 1ª edição foi marcada pela intensidade da ação de todos os agentes educativos envolvidos e pelos desafios constantes relacionados, naturalmente, pela necessidade de nos afirmarmos num mundo repleto de projetos como é a Escola. O balanço não poderia ter sido melhor e superou as nossas melhores e mais ambiciosas expetativas. Aderiram 17 escolas, públicas e privadas, do ensino regular e profissional, espalhadas pelo território nacional, de Marco de Canaveses a Évora, passando pelo Funchal e Macau, num total de 1350 alunos e 28 professores envolvidos. O próprio júri que se constituiu e os parceiros que se associaram (Comissão Nacional da UNESCO, IPDJ, Pista Mágica e ACEGIS) acreditou desde o primeiro momento que a força deste programa se faz pela capacidade transformadora de, através da formação para a cidadania, promover uma cultura de integridade, eixo central para que as pessoas e as organizações lutem contra o abuso e a corrupção. E se houvesse dúvidas quanto à robustez do programa neste primeiro ano de ação, a Cerimónia Final, realizada no passado dia 6 de junho, desvaneciam-se de imediato. O programa desta cerimónia é bem o reflexo do reconhecimento público da importância e urgência deste programa no contexto escolar, e contou com a intervenção de reputadíssimas individualidades como as vereadoras Laurinda Alves (Pelouro da Juventude e Cidadania do município de Lisboa) e Joana Almeida (Pelouro do Urbanismo, Transparência e Combate à Corrupção), Joana Marques Vidal (ex-Procuradora-Geral da República), Rute Serra (membro do Observatório de Economia e Gestão de Fraude), entre outros. Mas tão importante quanto o evento em si foi a rede que naquele dia nasceu e que se pretende alargada – a rede de Embaixadores do Programa RedEscolas AntiCorrupção – e que melhor nos representam localmente: os professores, os alunos e respetivas escolas.

 

Que novidades estão a preparar para a próxima edição?

As novidades decorrem da natureza deste jovem programa, cuja 2ª edição foi apresentada no passado dia 8 de julho. Mais do que apresentar novidades interessa-nos que o programa da RedEscolas AntiCorrupção se apresente de uma forma cada vez mais robusta, quer no modo como se estrutura, apresenta e relaciona com as Escolas, quer através da oferta de recursos pedagógicos que disponibiliza.

 

Como?

Interessa-nos, antes de mais, que todos os agentes educativos reconheçam o papel determinante deste programa de literacia anticorrupção que procura promover, no quadro dos valores de uma democracia participativa, o desenvolvimento de uma cidadania esclarecida e ativa, em contexto local, junto dos jovens em idade escolar, tal como propõe a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção. Nesta 2ª edição, apostámos num Plano de Ação mais atrativo e funcional, uma verdadeira ferramenta de trabalho para os educadores implementarem de forma interdisciplinar e flexível junto das suas comunidades educativas. Outra das grandes novidades, é a possibilidade de alargamento desta ‘rede de escolas’ não só do ponto de vista geográfico, nomeadamente junto das escolas portuguesas da CPLP e das escolas internacionais com o ensino do Português, mas também a outros níveis e tipologias de ensino como é o caso das Escolas de Formação do Turismo de Portugal. À medida que o programa vai conquistando reconhecimento, visibilidade e interesse junto dos agentes educativos cresce a vontade de muitos organismos cooperarem connosco, como é o caso do Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) e, mais recentemente, da Direção-Geral da Educação (DGE), que já na 1ª edição esteve representada na composição do júri.

 

Por que razão foi decidido alargar o programa e quais são as instituições envolvidas nesses países?

Foi um processo natural. Na 1ª edição podemos contar com a adesão da Escola Portuguesa de Macau, que implementou o programa da RedEscolas AntiCorrupção de uma forma excecional, tal a urgência que sentiram em desenvolver trabalhos relacionados com a temática (Anti) Corrupção, aplicados à realidade macaense, que permitissem envolver toda a comunidade educativa e nas diferentes áreas disciplinas. Esta experiência em Macau, que teve uma grande notoriedade na imprensa local despertou interesse noutras escolas portuguesas, nomeadamente em Moçambique.

A relação que estabelecemos com as Escolas Portuguesas e as Escolas Internacionais com ensino do Português é feita através da mediação dos embaixadores da All4Integrity espalhados pelo mundo, do próprio Instituto Camões que, por exemplo, no Canadá, nos tem ajudado a adaptar o programa à realidade das suas escolas, mas também, e sobretudo, através da relação direta com elementos diretivos destas escolas. Este é um programa de proximidade, de construção de relação, aberto e flexível à comunidade, qualquer que ela seja e em que lugar esteja, e sobretudo determinado em construir uma narrativa positiva muito direcionada para a promoção de uma cultura de integridade, que põe de lado os discursos fatalistas e inflamados dos ‘Velhos do Restelo’ que centralizam o problema nos Outros e não no cidadão individual.

 

Para onde espera levar este projeto educativo?

Queremos trilhar caminhos consistentes e robustos numa relação direta com as Escolas, especialmente as Direções dos Agrupamentos, no sentido de dar continuidade ao programa como um projeto transversal entre escolas, evitando que seja uma realidade efêmera protagonizada por um ou dois professores entusiastas e destemidos. Para além da expansão da rede, dentro e fora de Portugal, interessa criar sinergias com municípios, a academia, empresas tecnológicas, editoras, organismos educativos, entre outros, com vista a melhorarmos o programa não só do ponto de vista teórico e conceptual, mas também do ponto de vista prático, nomeadamente, integrá-lo no plano de Formação para a Cidadania dos nossos alunos. Mas a expansão do programa passará, também, por alargá-lo, com as devidas adaptações, a outros níveis de ensino, para além do 9º ao 12º anos.

Quem trabalha na Escola e para a Escola sabe que os desafios são uma constante e de diferente natureza. Queremos que o programa entre nas escolas não como uma imposição, ou uma excentricidade, mas sim pela necessidade que todos sentimos de promover uma cultura de integridade em estreita relação com a formação para a cidadania.

 

Em que medida se vê os alunos sensibilizados e empenhados no tema da corrupção?

Da experiência que tenho como professora de uma Escola que aderiu ao programa e na relação direta que tenho tido ao longo deste último ano letivo com as diferentes escolas, os alunos têm aderido com grande entusiasmo, empenho e criatividade, consequência da ação mobilizadora dos professores que coordenam o programa nas escolas e, acreditamos nós, também pela forma como o programa foi construído tendo por base 5 pilares educativos. O primeiro de todos passa por expor os nossos alunos à (i) linguagem específica em torno da temática da corrupção e, consequentemente, conhecer os seus (ii) principais agentes, o que promoverá uma maior (iii) consciencialização, através da avaliação das consequências diretas e indiretas das práticas de corrupção. Motivados para estudar a temática, os alunos são convidados a partir para (iv) a ação desenvolvendo práticas de cidadania individual e coletiva através de um contacto mais estreito com pessoas e instituições do poder local e central. Acreditamos que a médio/longo prazo este programa terá (v) impactos significativos quer a nível individual, com a alteração do comportamento; nas Escolas, com a adoção de novos currículos ou abordagens pedagógicas sobre o tema; na Comunidade, com o desenvolvimento de uma cultura de integridade fazendo de Portugal uma referência mundial no combate à corrupção.

Ao longo de todo este processo, os alunos têm-se mostrado muito sensíveis à necessidade de construirmos um discurso positivo e mobilizador do Eu, do Tu e do Nós, que promova o sentido de espaço público e bem comum, num processo de elevação de consciências e alteração de comportamentos que favoreçam a disseminação e aprofundamento de uma cultura de integridade em Portugal.

 

Como é que Portugal e o mundo se livram da corrupção?

Que corrupção? Facto ou metáfora? A que vem definida nos livros de Direito ou aquela que é a espuma dos dias e que se disseminou na sociedade na forma da cultura do ‘jeitinho’, da cunha e do favor?…

Não tenhamos ilusões. A Corrupção nunca acabará. Imaginar que tal aconteça é, como costumo dizer por graça, do domínio da ficção científica. Contudo, não nos podemos resignar e cair no imobilismo que, infelizmente, tem marcado a atuação dos portugueses nomeadamente quando falamos na nossa participação nos momentos eleitorais.

A Corrupção é um ‘organismo’ com vida própria, que se disseminou e instalou nas sociedades através de formas muitos distintas – umas assumidas como aspetos culturais, outras altamente sofisticadas e de difícil ‘captura’ –, estando no centro do discurso político e na agenda da comunicação.

A perceção que temos da Corrupção é a de que se trata de um problema dos ‘Outros’, cujo debate está enclausurado no setor político e judicial e que nós, comum dos cidadãos, nada temos a ver com ele, ou nada conseguimos fazer para combatê-lo. Pois é, esse é o tema – a Corrupção não é um problema dos outros, é um problema nosso, e começa em cada um de nós. E por isso, não nos podemos resignar e cair no imobilismo que, infelizmente, tem marcado a atuação dos portugueses nomeadamente quando falamos na participação nos momentos eleitorais. Não há mundos perfeitos, mas não é por constatarmos essa evidência que não queremos mais e melhor para os nossos. E é essa lógica que deve perseguir-nos enquanto cidadãos – deixar o mundo, o país, o bairro, a escola melhor àquilo que encontrámos, numa lógica de construção de bem-comum. E há tantas e boas formas de participarmos.

 

Exemplo?

O primeiro passo começa por conhecermos, de forma pragmática quais as reais consequências/custos da Corrupção que, no caso de Portugal, é a principal causa do atraso no desenvolvimento e da prevalência de desigualdade económica e social, com vista a uma efetiva mobilização no combate à corrupção e na promoção de uma cultura de integridade, que pode, e deve ter, múltiplos palcos de ação, quer pela via da formação nas escolas, como é o caso do programa da RedEscolas AntiCorrupção, quer reconhecendo, identificando e premiado personalidades da sociedade portuguesa que se destacam, em diferentes áreas, no combate à corrupção, que o Prémio Tágides é um exemplo único no contexto nacional, através da investigação e formação academia, nomeadamente no domínio da integridade organizacional e na definição de fatores de risco, mas também chamar a esta causa o universo tecnológico da Inteligência Artificial, Machine Learning, Analytics, Open Data e Data Vizualization, cuja iniciativa Tech4Integrity é bem representativa.

O tempo é de urgência e, por isso, de mobilização para que, como referiu Eça de Queiroz, em 1871, sejamos capazes de construir um Portugal que “Possam os nossos filhos reclamar a felicidade (…), apresentando-se ao futuro com merecimentos que nós não podemos invocar!”

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.