O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, voltou a incendiar os ânimos da comunidade muçulmana da Bósnia-Herzegovina depois de afirmar que a União Europeia deve ter presente que o alargamento do bloco aos países dos Balcãs equivale a agregar um país com dois milhões de crentes islamitas.

Não é a primeira vez que palavras de Orbán denunciam o pouco apresso pela possibilidade da presença de uma tão numerosa comunidade islâmica no interior da União Europeia, o que lhe tem valido fortes reprimendas de outros países europeus.

Como resposta, as autoridades bósnias e líderes religiosos muçulmanos denunciaram a sugestão do primeiro-ministro húngaro – e de um seu porta-voz, Zoltan Kovacs – de que a integração da Bósnia-Herzegovina à União Europeia será um desafio devido à sua grande população muçulmana. Ao mesmo tempo, a comunidade muçulmana quer desencadear processos para boicotar a visita de Orbán a Sarajevo e à Bósnia-Herzegovina, prevista para 25 de janeiro do próximo ano.

Zoltan Kovacs, tuitou que “o desafio com a Bósnia é como integrar um país com 2 milhões de muçulmanos”. Orbán disse, num discurso público em Budapeste, capital da Hungria que “estou a fazer o meu melhor para convencer os grandes líderes da Europa de que os Balcãs podem estar mais longe deles que da Hungria, mas como administrar a segurança de um estado onde vivem dois milhões de muçulmanos é uma questão fundamental para sua segurança de todos”.

A reação na Bósnia-Herzegovina foi aguda, com alguns partidos bósnios a pedirem a proibição da planeada visita oficial de Orban a Sarajevo e o chefe da comunidade muçulmana, o Grande Mufti Husein Kavazovic, chamou as suas declarações de “xenófobas e racistas”.

“Se tais ideologias se tornam a base sobre a qual as políticas de uma Europa unida se baseiam, então isso leva-nos de volta aos tempos em que a unidade europeia deveria ser construída sobre ideologias fascistas, nazis, violentas e genocidas semelhantes às que levaram ao Holocausto e a outros crimes horríveis”, disse, em comunicado citado por vários jornais.

O membro bósnio da presidência tripartida do país, Sefik Dzaferovic, classificou a declaração de Orban “vergonhosa e rude”. “Não é um desafio para a União integrar dois milhões de muçulmanos (bósnios), porque somos um povo europeu indígena que sempre viveu aqui e somos europeus”, disse.

A Bósnia-Herzegovina, composta por bósnios, sérvios e croatas, está a passar por mais uma grave crise política: com o apoio tácito da Rússia e da Sérvia, os sérvios bósnios (concentrados na República Srpska, parte integrante da Bósnia-Herzegovina) estão a ameaçar formar o seu próprio exército e novas autrtidades judiciárias e tributárias. Na prática, se isso suceder, será o mesmo que uma declaração de independência da República Srpska em relação ao todo da Bósnia-Herzegovina – o que fará reavivar os temores de outro colapso sangrento do país balcânico.

Viktor Orbán tem sido apontado como um dos ‘cúmplices’ dessa possível independência da República Srpska, nomeadamente dando apoio a Milorad Dodik, membro da presidência tripartida pelo lado da República Srpska – que tem derivado de posições moderadas para uma forte defesa do separatismo entre os três blocos da Bósnia-Herzegovina.

Durante o seu discurso público Orban disse que a Hungria não apoiaria as sanções da União Europeia contra Milorad Dodik, como tem ameaçado a Alemanha e alguns outros estados-membros por causa das suas posições separatistas.

“Sarajevo [que se encontra na fronteira, tecnicamente inexistente, entre o lado sul da República Srpska e a Bósnia-Herzegovina] perdeu a coragem, está a ser atacada por todos – Sérvia, Croácia, Eslovénia e agora Hungria. Sem mencionar a Rússia”, disse Dodik esta semana, referindo-se ao apoio que teria recebido desses países.

Orban, conhecido pelas suas políticas anti-imigração e particularmente anti-imigração-muçulmana, também tem apoiado a rápida adesão da Sérvia à União Europeia, liderada pelo cada vez mais autocrático presidente Aleksandar Vucic.

Recorde-se que mais de 100 mil pessoas foram mortas e milhões ficaram na situação de refugiados durante a guerra de 1992-95 na Bósnia-Herzegovina, quando os sérvios bósnios então liderados por Radovan Karadzic e pelo militar Ratko Mladić – apoiados por Slobodan Miloševic, na altura presidente da Sérvia – tentaram criar territórios etnicamente puros para os unir à vizinha Sérvia. Os snipers que sitiaram Sarajevo nessa altura, assassinando indiscriminadamente os habitantes de Sarajevo, continuam a ser uma das maiores vergonhas coletivas da União Europeia e o único genocídio registado na Europa depois de 1945.