O Governo resistiu até onde conseguiu para evitar o escrutínio dos cidadãos, mas Bruxelas não permitiu (e bem) e o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) estará mesmo em consulta pública até ao próximo mês.

Este é sem dúvida um documento essencial para o futuro do nosso país. O Governo tem afirmado que será a “vitamina” que nos vai ajudar a sair da crise, a retomar o crescimento económico, a convergir com a Europa e a tornar o país mais resiliente, verde e digital. Será?

O PRR que Portugal apresentou para aceder às verbas comunitárias e fazer face às consequências da pandemia de Covid-19 prevê 36 reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, clima e digitalização, correspondentes a um total de 13,9 mil milhões de euros de subvenções e 2,7 mil milhões de empréstimos europeus. Depois de um rascunho apresentado às instâncias europeias em outubro passado, quatro meses após as negociações comunitárias, o Governo inicia agora – e muito a contragosto – o processo de consulta pública, com uma versão preliminar e resumida do PRR. Nesta nova versão preliminar, pretendem-se estipular empréstimos de 2,4 mil milhões de euros para as áreas da habitação e do investimento e ainda de 300 milhões de euros para a mobilidade sustentável.

Acontece que esta nova versão é substancialmente diferente daquela que foi entregue em outubro último à Comissão Europeia. António Costa disse então que apenas pretendia recorrer “integralmente” às subvenções e não era claro na intenção de aceder a empréstimos comunitários, muito embora equacionasse o recurso ao Fundo de Recuperação Europeu para realizar investimentos de 4,3 mil milhões de euros em habitação pública acessível, apoio às empresas e transportes. Certo é que no pacote global à época transmitido, seria a soma das duas componentes financeiras, no montante de 18,2 mil milhões de euros, sendo que agora o global não excede os 16,6 mil milhões.

Apesar de não se apresentar para a consulta pública o necessário quadro e estudo aprofundado dos impactos macroeconómicos de mais endividamento do país, que merece muita e muita prudência – e talvez por isso – terá sido a Europa a travar as intenções iniciais do Governo, em mais de 1.600 milhões de euros de empréstimos, porque a dívida de Portugal começara a não ser sustentável.

No auge da crise pandémica, o Governo vem anunciar e colocar a consulta pública como se gastará e irá distribuir o dinheiro da chamada “bazuca” europeia. Trata-se de muito dinheiro, e de nada adianta o Governo apresentar planos e mais planos se estes não forem direcionados para as empresas e para as pessoas. Sim, estas devem ser as prioridades nacionais. Pois nada é mais absurdo do que aplicar o dinheiro que nos é dado e algum que teremos de pedir emprestado, a combater uma crise sanitária sem paralelo, para não morrermos da doença nem da cura, do que aplicar uma fatia considerável desta “bazuca “a capitalizar apenas empresas do Estado, como a TAP, a CP, ou a Efacec, ou a restruturar os serviços do Estado, tentando agora fazer tudo o que não foi feito, nos últimos anos, com o dinheiro dos nossos impostos.

Se este plano não conseguir dar resposta às necessidades do país, no que se refere à criação de formas de capitalização empresarial para gerar riqueza e de postos de trabalho, não passará de mais um plano. E de uma oportunidade perdida.