No mundo das aplicações móveis há uma diferença abismal entre o Ocidente e o Oriente. Países como a China, Singapura e a Indonésia têm Super Apps. Já nós no Ocidente não temos nada, nem parecido. Em vez disso, temos os smartphones inundados de apps, cada uma com a sua função. Há aplicações para social networking, para compra e venda de produtos e serviços, e para interagir com cada uma das empresas que os fornecem. Mas no Oriente só é preciso uma. E faz diferença? Bom, é todo um outro mundo!

WeChat, AliPay, Grab, Gojek, entre outros, são muito mais que apenas apps de compras, mensagens ou pagamento, pois, não só incluem tudo isso, como também todos os serviços proporcionados pelas empresas que fazem parte destas “plataformas digitais”. Por exemplo, na China, o WeChat inclui quase um milhão de  mini-websites. Afinal quantas aplicações de empresas estamos preparados para instalar nos nossos smartphones? Será que temos tempo e paciência para o fazer com todas as empresas com que interagimos no dia-a-dia?

Já no WeChat, com um acesso apenas, podemos pagar a qualquer pessoa ou empresa sem nunca ter o trabalho de instalar a sua app ou proceder a qualquer registo, entre fazer reservas, enviar reclamações e tudo o mais que seja essencial. É este aumento de conveniência que está a desenvolver uma economia muito mais eficaz e eficiente. Chamam-lhe Online-to-Offline (O2O) e tudo se paga com QR-codes ou SMS, quer seja o jornal, o parque de estacionamento ou a corrida de táxi. Portanto, a ideia das Super Apps é boa para todos os seus consumidores, e os seus benefícios económicos são inquestionáveis.

No Ocidente podíamos avançar com uma Super App e começar a agregar fornecedores, por exemplo em torno de uma app de social networking, pois foi assim que o WeChat começou. Ou podíamos proceder a essa agregação em torno de uma app de pagamentos, pois foi assim que o AliPay evoluiu. Mas infelizmente não é assim tão simples.

O que faz o Ocidente ficar para trás é o actual sistema de pagamentos instalado nos comerciantes. Segundo o Banco de Portugal, o dinheiro físico ainda é a forma mais utilizada para realizar pagamentos em território nacional, entre 60 a 70%. Os pagamentos desmaterializados são baseados em cartões bancários e TPA (isto é, as caixinhas onde estes são introduzidos no acto da compra). Em cima dessa rede começaram a aparecer wallets como a ApplePay, o Google Pay, ou mesmo canais de pagamento como MBWay, onde a wallet é a conta bancária.

A rede de suporte a isto tudo, conhecida como “rede multibanco” em linguagem comum, é financiada essencialmente pelas taxas cobradas aos comerciantes. Tem a grande vantagem de estar ligada aos POS (leia-se, caixa registadora) dos vendedores, mas com limitações enormes: um TPA não tem, nem nunca terá, a conveniência de um smartphone, e nem sequer podemos obrigar todos os comerciantes a ter um TPA, mesmo com taxas ainda mais baixas.

Porém, os smartphones e os serviços na cloud podem substituir os TPA e não carecem de nenhuma rede específica para pagamentos. A criptografia e a internet servem muito bem, são acessíveis a todos, e não tem custos marginais extra para ninguém.

A prová-lo está o exemplo da China. Com os smartphones dos comerciantes ligados aos seus POS, os compradores podem pagar, muito convenientemente, através de uma transferência de saldo entre as suas wallets digitais da Super App, em vez de o fazerem entre contas bancárias. É o que fazemos hoje com os envios entre contas Revolut. Transferir dinheiro entre wallets é tão simples como ler um QR-code ou enviar um SMS. Só é preciso que as wallets dos comerciantes estejam ligadas aos seus POS. E não podem?

Com a legislação vigente, não.

No Ocidente, a reserva de valor tem de estar sempre sob a alçada de uma instituição com licença para tal, leia-se, um banco. Poderia o Revolut representar esse papel? Não, porque iria ganhar uma posição dominante no mercado bancário, e isso não é desejável. A outra solução é instalar canais de pagamento tipo MBWay que transformem as contas bancárias em verdadeiras wallets. O DSP2 poderia trilhar esse caminho, mas barrou as transferências directas entre consumidores.

Em conclusão, para além de incluir mini-sites, uma Super App carece de um sistema de pagamentos ligado aos POS, o que, como se viu, não é possível neste momento. Talvez o Euro Digital venha a ser uma lufada de ar fresco de carácter regulatório, mas terá de ser bem pensado para evitar os riscos da disrupção.

Além disso, mesmo que se venham a ultrapassar estas dificuldades, para ser bem-sucedida, uma Super App também terá de incluir social networking, quando todas as plataformas actuais, como o WhatsApp, o Signal ou o Telegram são extra-europeias. Vamos querer que alguma destas venha a ter uma posição dominante no sector bancário?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.