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Vladimir Putin: o Czar da Rússia pós-comunista recusa outra vez a reforma

Há uns meses, poucos acreditaram, apesar do que se dizia, que o presidente russo estivesse de partida. Afinal não estava: o mundo está demasiado atraente para alguém que fez a Rússia regressar ao topo deixar a viagem a meio.
9 Dezembro 2017, 10h45

Nas cadeias de supermercados espalhados pela Rússia, entre latas de comida, brinquedos e bibelots de formas curiosas, é possível comprar-se o retrato de Vladimir Putin em formato A3 ou algo do género, emoldurado com um gosto duvidoso e a um preço não excessivamente caro. É qualquer coisa entre o culto da personalidade – mas não é bem isso, porque ao lado dos retratos de Putin costuma encontrar-se o retrato de Dmitri Medvedev emoldurado no mesmo tamanho, numa mesma moldura mais ou menos pirosa, mas mais barato – e a tradição iconográfica da Igreja Católica Ortodoxa.

Seja lá o que for, a dupla Putin/Medvedev – que só é uma dupla por necessidade prática decorrente das leis eleitorais russas: o segundo por certo não passará à história e, se passar, será com o cognome de Muleta – lidera politicamente o enorme país euro-asiático desde 1999, altura em que o atual presidente chegou pela primeira vez a primeiro-ministro, quando Boris Iéltsin, um tipo com um sorriso um pouco perdido e o nariz demasiado vermelho, se retirou para um sítio qualquer.

Depois, é só fazer as contas: Putin voltou ao cargo de primeiro-ministro sempre que a lei o impedia de continuar a ser presidente, isto é, de oito em oito anos. Os seus detratores consideram que Putin engendrou uma forma de se perpetuar no poder – no final, se tudo correr bem, terá governado a Rússia durante 23 anos consecutivos – mas essa forma está legitimada pela democracia, dado que é o povo russo que vota nele ininterruptamente nos últimos 18 anos.

O mínimo que se pode dizer de Vladimir Putin – para além da evidência de ser um pro-ditador com jogo de cintura suficiente para viver em democracia, ou numa coisa semelhante a ela – é que o antigo agente da KGB (a terrível polícia secreta do anterior regime comunista) soube resgatar a Rússia do enorme atoleiro em que se tinha afundado depois da desagregação (não-controlada) da velha União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, de que não resta praticamente nada.

A não ser duas coisas: o hino nacional (A Canção Patriótica, que Putin recuperou em 2000) e o temor misturado com fascínio que aquela enorme maça de território suscita ao ocidente. Nos anos de ferro da desagregação, numa altura em que Mikhail Gorbachev foi ultrapassado pela dinâmica histórica que ele próprio criou e os eslavos recuperavam as suas antigas fronteiras, a Rússia quase deixou de ser um problema para o ocidente.

Até porque ali por perto, a sul, para lá da Mongólia, o outro gigante comunista, a China, engrenava um novo conceito (uma política, duas economias, ou lá como era aquilo em que, desgraçadamente, ninguém acreditou) e tomava a dianteira face ao velho rival (igualmente) vermelho.

Vladimir Putin preocupou-se de facto em fazer regressar a Rússia a um lugar cimeiro junto da comunidade internacional – e nisso pode dizer-se que é quase czarista. E fê-lo, genericamente, de duas formas. Em primeiro lugar, tomando conta dos enormes – apesar de não inesgotáveis, ao contrário do que dizia o regime comunista – recursos naturais do país. Não através de qualquer controlo de Estado, mas precisamente criando uma rede de empresários a quem entregou esses recursos e que, dito de forma bruta, estavam ligados a um controlo remoto que Putin nunca largou (e daí ter de saltitar entre a presidência e a chefia do governo, porque o controlo remoto não podia ser deixado no Kremlin, à mercê de qualquer um).

A história desse controlo, que envolve nomes entretanto caídos em desgraça, perseguições, suspeitas de assassínios (na forma tentada e na forma consumada), alegações de envenenamento em terra alheia, prisões de antigos amigos e de novos opositores e por aí adiante, parece um romance policial bem ao gosto do histórico da KGB – e da própria Rússia moderna (país onde o niilismo foi sempre uma opção em aberto).

Em segundo lugar, e para que ao ocidente não restasse nenhuma dúvida sobre o regresso da Rússia à sua anterior condição de superpotência, Vladimir Putin anexou a Crimeia. Os Estados Unidos barafustaram, a União Europeia barafustou, mas Putin, escudando-se num devir histórico (repor a legalidade moral da posse da península, saída do conjunto russo por causa de um repente ‘amoroso’ do ucraniano Nikita Khrushchov pela sua terra) seguiu em frente.

Entretanto, o mundo à volta da Rússia mudou: a China engendrou uma forma de tornar perene o seu crescimento global, o Médio Oriente entrou numa deriva perigosa, mais uma, e um empresário mais ou menos excêntrico e com um péssimo gosto para penteados, Donald Trump, chegou inesperadamente à condição de presidente dos Estados Unidos – coisa em que Putin também estará envolvido.

Ou seja, para quem é dirigente mundial, o mundo está uma maravilha: cheio de desafios, de incertezas e de equívocos, mesmo ao gosto dos que gostam de gerir o caos. Foi com certeza por isso que, quando há alguns meses o Kremlin (ou alguém por ele) pôs a circular que Vladimir Putin colocava a hipótese de não se recandidatar às presidenciais de 2018, os conhecedores esboçaram um sorriso complacente e foram preocupar-se com outro assunto qualquer.

Sendo naturalmente mais que certa a sua vitória, e tendo Putin 70 anos em 2022 – altura em que acabará o seu novo mandato como presidente – a questão que se coloca é sempre a mesma: será primeiro-ministro entre 2024 e 2026? Ninguém sabe, mas já se viu velhos mais velhos a comandarem os destinos de outros países (para não dar muitas voltas, Leonid Brejnev foi presidente da URSS até aos 76 anos).

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