A presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, encheu o peito de coragem e anunciou o plano climático da instituição para 2030, ambicionando de uma vez por todas colocar a União Europeia numa rota compatível com o combate às alterações climáticas. Emulando Angela Merkel em 2015, quando a Europa se deparava com a chegada de refugiados, lançou um efusivo: “We can do it!”.

À medida que lemos o documento que acompanhou o discurso não podemos deixar de reparar que este can do de von der Leyen está direcionado para deixar tudo na mesma, em direção ao colapso climático, com um discurso embelezado, e com vários negócios subsidiados. Se o que lhe foi pedido foi um novo discurso para deixar tudo na mesma, não podia ter feito um melhor trabalho.

O plano acerta na contextualização inicial, afirmando a crise climática ser o desafio desta era. Reconhece que os últimos cinco anos foram os mais quentes de que há registo, e que não existe dúvida em relação aos impactos devastadores em termos de secas, tempestades e outros eventos extremos.

Prossegue logicamente que é necessária ação urgente para manter as emissões abaixo do aumento de 1,5ºC em relação à média pré-industrial – já tendo ultrapassado os 1,1ºC – de forma a preservar o bem-estar, não só na Europa, mas como no resto do mundo. Corretamente ainda acrescenta que com a política atual a União Europeia não será capaz de atingir as metas necessárias. Tudo correto até aqui, mas o plano desmorona quando a discussão passa às ações concretas.

A fachada desaba quando se chega à discussão do grande número: quanto é preciso reduzir em emissões. O número atirado é uma redução em 55% das emissões. À primeira vista pode parecer uma meta ambiciosa, alinhada com as exigências da agenda climática, no entanto a Comissão Europeia não se absteve de brincar com os números. Uma redução de percentagens tem que ter uma base, e a base escolhida neste caso é o ano 1990.

O desfasamento de 30 anos não é um acidente, corresponde a um pico de emissões, quando estas representavam 5,7 mil megatoneladas do equivalente ao dióxido de carbono, cerca de 30% acima ao que é emitido hoje. O texto do Estado de União vangloria o modelo europeu e as suas virtudes, gabando-se da redução das emissões de gases com efeito de estufa desde 1990, contraposto com o crescimento do PIB em 62% no mesmo período.

Fica convenientemente esquecida a deslocalização industrial que ocorreu para países como a China, permitindo assim importar os produtos feitos à base de altos consumos de energia com base fóssil. Enquanto esses países contabilizam as emissões como suas, os iluminados europeus congratulam-se com o seu superior modelo de desenvolvimento, enquanto as emissões dos produtos aumentam por causa do transporte.

Contas feitas, a real redução proposta é cerca de 43% das emissões, uma meta incompatível com a contenção do aumento de temperatura em 1,5ºC em relação à média pré-industrial, e mesmo as medidas para atingir esta são dúbias.

O plano frisa a importância de evitar stranded assets (ativos encalhados), isto é, ativos inscritos nos balanços de várias instituições que passarão a ter valor zero ou próximo disso. São vastas as reservas de combustíveis fósseis que se encontram debaixo do solo, e certamente encontram-se contabilizadas nos valores dos ativos de várias instituições.

Para atingir reduções significativas na queima de combustíveis fósseis, várias dessas reservas não poderão ser tocadas, implicando assim imparidades no valor contabilístico. Fica, pois, por responder a questão de como a Comissão Europeia espera evitar stranded assets quando estes combustíveis fósseis têm de ficar intocados.

O plano consegue mencionar os transportes sem se debruçar no papel colossal que o transporte aéreo tem vindo a cimentar ao longo de décadas de crescimento. Ficam mencionadas iniciativas pouco detalhadas como a necessidade de aposta na ferrovia e a eletrificação dos automóveis, enquanto a cessação da construção de novos projetos aeroportuários como o plano para o Montijo em Portugal nem sequer é contemplada. Assim, ambiciona-se uma redução de emissões, mas é dada rédea solta para os setores poluentes continuarem a expandir-se.

Em geral, o documento não introduz novidades, com as medidas vagas e intenções básicas às quais as instituições europeias nos habituaram a serem a regra ao longo deste. Como anteriormente, a ênfase cai sobre o mecanismo de troca de emissões, em que cada empresa tem uma permissão de emissões, podendo transacionar estas como um ativo financeiro.

Um sistema com um legado de ineficácia, marcado por licenças de carbono atribuídas gratuitamente, esquemas de carbon offsetting que não cortam emissões e criação de enormes oportunidades de negócio para a banca que transaciona as licenças. A esta também se junta a velha taxação de carbono, a ferramenta predileta para colocar o fardo das alterações climáticas sobre o cidadão comum, com poucas alternativas viáveis ao uso de combustíveis fósseis.

Além de se propor a uma redução fictícia das emissões em 55% até 2030, o documento ainda contempla a neutralidade carbónica por 2050, supondo entre outras coisas que em 2035 as tecnologias de captura de carbono começam a funcionar. Fica por desvendar que tecnologias serão, e de qual mundo encantado surgirão, dado serem neste momento um elemento de ficção científica.

Não passa despercebida uma inovação no discurso, com uma Transição Justa que não deixe ninguém para trás a passar a fazer parte do léxico da União Europeia. Mas não pode deixar se ser divertido vê-lo ser feito pela União Europeia que conduziu o processo de construção do Euro sobre os sacrifícios dos países periféricos.

Ursula von  der Leyen apresentou aquilo a que nos habituaram as instituições europeias: um discurso altivo com dualidade discursiva. De um lado, o discurso da imperatividade de fazer a transição energética avançar o quanto antes, do outro, medidas que deixam tudo na mesma e asseguram o caos climático.