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2020 será mais um ano “turbulento” para o Brexit, diz ING

O divórcio formal entre o Reino Unido e a União Europeia está marcado para 31 de janeiro, mas as até ao último dia do ano, os britânicos entram num período de transição em que, na realidade, nada muda. Esta é a única certeza que James Smith, economista do ING, tem sobre o processo do Brexit. Tudo o resto, são incertezas.
7 Janeiro 2020, 08h00

Faltam 24 dias para se consumar o divórcio entre a União Europeia (UE) e o Reino Unido, marcado para 31 de janeiro. Nesse dia, formalmente, as duas partes separar-se-ão. Mas, na realidade, a partir do dia 1 de fevereiro, o Reino Unido entrará num chamado período de transição que, na melhor das hipóteses, termina no último dia de 2020, daqui a 359 dias.

O início deste período de transição é, neste momento, a única certeza em torno do Brexit, embora exista possibilidade de extensão até 2022.

“Uma extensão ao período de transição de onze meses parece cada vez menos provável”, escreveu James Smith, economista do banco holandês ING especializado em economias desenvolvidas, numa nota de research. “Isso quer dizer que as relações comerciais entre o Reino Unido e UE deverão mudar em 2021. O risco é que, até mais tarde neste ano,  não saberemos exatamente como”, vincou o economista do banco holandês.

“Os investidores têm provavelmente razão em estarem cautelosos – 2020 tem o potencial para ser outro ano turbulento para o Brexit”, vincou o economista do ING.

James Smith lembrou que Boris Johnson, primeiro-ministro conservador, conseguiu uma maioria de 80 deputados nas eleições de dezembro, o que lhe “garante virtualmente a ratificação do acordo de saída” acordado em outubro. “Isto significa que o Reino Unido deixa a UE de forma suave quase de certeza no final de janeiro”, sublinhou o economista do ING.

“As discussões sobre os termos das relações comerciais futuras entre o Reino Unido e UE mal começaram. Lembrem-se que o acordo de saída cobriu ‘assuntos de saída’ na sua maioria – assuntos como as obrigações financeiras do Reino Unido, os direitos dos cidadãos e um enquadramento para evitar fricções na fronteira com a Irlanda”, escreveu James Smith na nota de research.

Neste contexto, o analista do ING considerou que um acordo de comércio livre entre o Reino Unido e a UE é o cenário mais provável. Uma probabilidade que é ela composta com mais incertezas: “a forma que tomar e a duração das negociações são circunstâncias sujeitas a alterações”.

Período de transição deve mesmo terminar a 31 de dezembro de 2020

Segundo o calendário previsto para o Brexit, depois do divórcio formal marcado para 31 de janeiro, a UE vai acordar e aprovar um mandato de negociação no dia 25 de fevereiro. Em junho, terá lugar uma conferência entre as duas partes do processo, que se farão representar pelos titulares dos cargos mais relevantes, sendo que o dia 30 junho marca o prazo final para que seja acordada a extensão ao perído de transição, tal como está previsto no acordo de saída.  Algo que, neste momento, James Smith não antecipa.

Até ao final de 2020, “as relações comerciais entre o Reino Unido e a UE mantêm-se inalteradas, de forma a ter-se tempo para acordar e depois implementar uma nova relação comercial”, explicou o economista do ING. “Isso é muita coisa para se fazer em onze meses”, salientou James Smith.

A UE poderá estar aberta a uma extensão do período de transição, mas Boris Johnson já sinalizou que não, uma posição que o atual primeiro-ministro britânico está a tornar em lei.

No entanto, James Smith abordou aqui outra incerteza. “Nada impede que em junho o governo altere a legislação discretamente outra vez e executar a extensão do período de transição. O primeiro-ministro tem agora mais flexibilidade no parlamento e a sua linguagem recente hawkish pode simplesmente dever-se a uma messagem pós-eleitoral para o eleitorado que votou nele”, disse o economista do ING.

O que vier a acontecer não se sabe e irá alterar os passos do calendário previsto. No momento e nas circunstâncias atuais, no dia 31 de dezembro de 2020, ou o Reino Unido abandona o mercado único e a união aduaneiro ou teremos uma extensão ao período de transição.

Acordo de comércio livre em 2020 é possível

“Será um desafio”, defendeu James Smith, explicando que tipicamente as negociações comerciais são “projetos plurianuais”. No entanto, disse que a “maioria dos especialistas em comércio referem que teoricamente possível alcançar um acordo básico de comércio livre sobre bens”.

“E isto se (e é um ‘se’ muito grande) o Reino Unido aceitar a maioria das pretensões europeias”, salientou James Smith. “No epicentro das vontades de Bruxelas estão os chamados compromissos level playing field, pensados para evitar que o Reino Unido adquira vantagens competitivas com a desregulação (…)”, explicou o economista do banco holandês.

Se Boris Johnson não aceder a estas pretensões, “Bruxelas poderá insistir em tarifas sobre alguns bens para compensar a desvantagens das empresas europeias”, opinou o economista do ING, que indicou que o primeiro-ministro britânico não esteja para aí virado, criando outro incerteza no processo.

“No entanto é possível que o Número 10 [a sede do governo britânico é no número de 10 de Downing Street] aceite estes compromissos”, disse James Smith. “Na realidade, o ênfase no prazo de dezembro de 2020 poderá ter sido parcialmente pensado para focar as mentes dentro do seu partido [conservador]” num acordo de comércio livre, justificou James Smith.

Mesmo que um acordo neste género seja alcançado, o economista do banco holandês lembrou que, em todo o caso, iria deixar de fora 80% da produção britânica, que corresponde aos serviços. “Um acordo de comércio livre provavelmente acabará com os passaportes financeiros e também com os direitos automáticos sobre partilha de dados”, antecipou James Smith.

“Poderemos assistir a uma série de ações unilaterais para manterem os serviços ‘a mexerem’ – pelo menos em setores como a aviação. Ambos os lados pretendem alcançar acordos sobre a equivalência financeira e partilha de dados até ao final do ano”, concluiu.

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