Cumprem 40 anos da morte de Francisco Sá Carneiro no próximo dia 4 de Dezembro. Escrevo no dia 25 de Novembro, o primeiro evento de consolidação da nossa democracia. O segundo decorreu quando Sá Carneiro fundou a Aliança Democrática (AD), a primeira coligação pré-eleitoral de direita a avançar para as legislativas, nos anos quentes após a revolução e quando a democracia portuguesa ainda dava os primeiros passos.

Nascida em 1977, a minha idade à altura do desastre em Camarate do avião que transportava o primeiro-ministro não me permitiu ter consciência do alcance da tragédia. Mas sou da geração que cresceu na sombra dela. Um corte radical no caminho para uma democracia plena, uma sentida orfandade política e social, uma aguda desconfiança à explicação oficial da queda do avião.

Previstas poucas cerimónias presenciais, de acordo com os tempos de pandemia que vivemos, as homenagens à data vão florescer na imprensa esta semana. Porventura, a primeira e a mais comovente e íntima, foi publicada há dias. Maria João Avillez entrevistou o seu filho mais velho, que partilha o nome próprio do pai. Sendo raro conceder entrevistas, recatado na sua vida pessoal, condescendeu em abrir a porta a memórias, acontecimentos, e a dar sua visão deste período negro da democracia portuguesa.

Francisco Sá Carneiro foi um homem resiliente, polémico, intenso e impaciente tanto na sua faceta pública como na vida privada, mas estava longe de ser uma figura unificadora ou pacificadora em termos políticos. Tempos conturbados pediam medidas e homens arrojados. Como deputado na Assembleia Nacional, fez parte da Ala Liberal que contestou o antigo regime e acabou por abandonar o parlamento ao recusar-se pactuar com Marcelo Caetano.

Colocou o país à frente do seu partido e de tudo. Tinha uma visão da política de dedicação ao serviço público e não o de se servir da política. Defensor feroz da ética na política como poucos, foi o maior alvo de difamação com uma campanha baseada na sua vida privada.

Ramalho Eanes, na qualidade de Presidente da República, chegou a recusar que Snu Abecassis, sua companheira, o acompanhasse em cerimónias oficiais enquanto primeiro-ministro. Mário Soares, amigo do casal, não hesitou em os criticar publicamente devido a Sá Carneiro estar apenas separado e não oficialmente divorciado. Foi duramente atacado na política, em 1979, acusado de compactuar com a extrema-direita ao fundar a Aliança Democrática com o CDS.

Ironicamente, 40 anos depois assistimos à mesma acusação ao PSD com a recriação da AD após as recentes eleições nos Açores. O país mudou muito em quatro décadas, mas não a esquerda e as suas costumeiras acusações aos adversários.

Quarenta anos decorridos, resta-nos a memória e o sentimento de que a sua visão para o país ainda não se cumpriu.