É bem conhecido o regime do mecenato e os seus incentivos, em sede de IRS, de IRC ou de IVA, e que, no fundo, militam como encorajamento à comunidade para que apoie determinadas entidades e atividades tidas por louváveis e socialmente relevantes.

Ora um dos temas recorrentes é o do tratamento dos donativos em dinheiro em sede de IVA, valendo a regra da não sujeição, ainda que o beneficiário assegure algumas regalias ou contrapartidas ao mecenas. Historicamente, a Autoridade Tributária (AT) entendia que não seria por haver uma qualquer contrapartida que se haveria de afastar o espírito de liberalidade do donativo mecenático. É esse, aliás, o sentido presente na lei que, contudo, delimita a exclusão do IVA nos donativos às situações em que as contrapartidas não ultrapassem 25% do valor do próprio donativo (limite que já foi de 5% e de 10%).

Talvez se possa dizer que o legislador se afeiçoou à realidade, não a censurando e, pelo contrário, sancionando-a, pois que um donativo não deixa de ser uma liberalidade não obstante o beneficiário oferecer contrapartidas ou regalias que não excedam, em valor, 25% da atribuição mecenática.

Recentemente a AT vem-se dedicando a revisitar o seu entendimento sobre o efeito em sede de IVA daquelas contrapartidas que o beneficiário concede ao seu mecenas. Seja porque considera qualquer hipótese como contrapartida (por exemplo, a exclusividade enquanto mecenas, a primazia em donativos futuros, ou a cedência de instalações). Seja porque se dispensa da quantificação a que apela a lei (o tal limite dos 25% do donativo concedido). Seja, ainda, porque não se predispõe a reconhecer que uma mesma entidade pode ser mecenas de uma instituição, com o que isso implica de sujeição ao regime do mecenato, e pode, também, ser um adquirente de serviços e, nessa justa componente, sujeitar-se aos efeitos convencionais em sede de IVA.

Surpreendentemente, a AT vem-se propondo requalificar mecenas em meros patrocinadores. Sem cuidar de medir e de distinguir, sem cuidar sequer das motivações. Onde há contrapartidas (ou mesmo ficcionando-as) a AT permite-se terraplanar a gratuitidade, negando a qualidade de mecenas e o regime que o legislador criou e desejou e, na prática, espantando os mecenas que ainda se predispunham a sê-lo em benefício de instituições de reconhecida utilidade social, de atividades desejadas e necessárias, no fundo, em benefício da comunidade.

É certo que é mais fácil requalificar integralmente como patrocínio um donativo, sujeitando-o, por defeito e pelo todo, aos 23% de IVA. Indagar quais as contrapartidas proporcionadas pelos beneficiários, apurar o correspondente valor, aferir se excedem o limiar dos 25%, e arrecadar IVA apenas sobre o valor das mesmas, seria sempre um exercício mais exigente.

Teremos sempre os tribunais e, nestes, há de prevalecer quanto a esta específica matéria a jurisprudência europeia – que recomenda uma análise do contexto global dos donativos em dinheiro, a demonstração de que uma operação é o contravalor efetivo de outra, equivalente, causal e com destinatários concretos. Porque se as circunstâncias de cada caso revelarem a gratuitidade como a motivação predominante e determinante, pois que se resista a essa ousadia da AT.