Os incentivos que remuneram os executivos resultam de uma lógica simples: devem ser premiados por contribuírem para o desempenho das suas empresas. A legitimidade desse princípio é inquestionável. Mas o desempenho de uma pessoa, por mais meritória que seja, é facilitado pelo contexto em que opera e pelas pessoas que com ela trabalham.

Como pode alguém, sozinho ou no seio de uma pequena equipa de gestão, aumentar o valor da empresa sem a dedicação, o esforço e o mérito de dezenas, centenas ou milhares de empregados? Não é isso que se presume quando se apregoa que “as pessoas são o ativo mais importante da nossa empresa”? Se os executivos acreditam realmente nesse slogan, porque não partilham com essas pessoas os frutos do valor criado? Alguns fazem-no, mas outros não.

A justificação dos incentivos também assenta, frequentemente, no trabalho árduo dos executivos – as pressões, as longas e intensas horas de trabalho, a multiplicidade e a complexidade dos desafios, e as viagens extenuantes que perturbam a saúde, o bem-estar e o equilíbrio trabalho-família.

Estas são razões legítimas e eticamente pertinentes. Mas, do ponto de vista ético, importa que o critério da agrura seja também usado para remunerar empregados que dão o corpo ao manifesto, arriscam a saúde e a vida, operam em ambientes perigosos e, mesmo esfalfando-se, ficam arredados de uma vida digna – que lhes permita aceder, para si e a família, a bens essenciais relacionados com a habitação, a saúde e a educação.

Se os executivos acreditam realmente que os incentivos são uma forma de alinhar os seus próprios interesses com os interesses da empresa, não se vislumbra qualquer razão para não aplicarem essa teoria do alinhamento à remuneração dos empregados em geral. Se eles próprios se sentem motivados a trabalhar em prol dos resultados da empresa quando podem fruir de uma parcela desses resultados, porque não procuram motivar, também por essa via, os empregados?

Em algumas empresas, a sustentabilidade ambiental, que se transformou numa moda por vezes barata, coabita com a irresponsabilidade social perante os empregados. Ao mesmo tempo que se considera natural e desejável que os executivos sejam financeiramente recompensados, dos empregados em geral espera-se que sejam motivados pelo “salário emocional”. Nenhuma razão moral justifica o recurso a diferentes critérios e princípios para gerir e remunerar diferentes categorias de membros organizacionais.

Como pode uma empresa altamente lucrativa, que remunera generosamente os seus executivos, pagar salários miseráveis a empregados que vivem na pobreza e precisam de assistência do erário público? Não deveriam essas empresas ser taxadas, como sugere a Sr.ª Rothschild, pela poluição social que geram, assim financiando os apoios sociais que o Estado tem que conceder?

Não questiono, de todo, a necessidade de remunerar devidamente os executivos e, naturalmente, os acionistas. O que me causa perplexidade são as narrativas pseudo-racionais (e alegadamente desprovidas de ideologia!) que visam manter o statu quo, perpetuando situações de indignidade e pobreza.

As empresas devem ser geridas como empreendimentos coletivos – o que requer mais do que narrativas atraentes destinadas a comprar o coração e a alma dos empregados. Um tal mindset surte efeitos benéficos sobre os empregados, as empresas e a economia. Compreendo que baixos níveis de qualificação dificultem a competitividade e comprometam as possibilidades de pagar salários mais dignos. Mas como podem as pessoas e as famílias investir na formação e na educação se não dispõem sequer de recursos para alimentação e habitação condignas?

As iniquidades que têm vindo a expandir-se por todo o mundo são combustível para tensões sociais e políticas, e alimentam ideologias e populismos perigosos. Como escreveu Martin Wolf no “Financial Times”, inspirando-se no pensamento de Paul Collier (coautor, em parceria com John Kay, de Greed is dead), a frustração, a ansiedade, a raiva e o desespero são  explorados por dois tipos de charlatães: “ideólogos de esquerda e de direita, e populistas carismáticos”.

Como bem recomenda o Papa Francisco e numerosos economistas, importa que os frutos do crescimento sejam partilhados de modo mais equitativo, em prol de melhor saúde social, económica e política.