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A maior dieta de sempre do Estado português

Em sete anos, o peso do ‘monstro’ vai cair e deixar Portugal entre os países com o consumo público relativamente mais magro na União Europeia.
7 Abril 2017, 13h38

Em fevereiro de 2000, num célebre artigo publicado no Diário de Notícias, Aníbal Cavaco Silva – na altura afastado da política ativa –chamou a atenção para o crescimento alarmante do Estado português. Foi nessa altura que nasceu o “monstro” da despesa pública, um animal “voraz e incontrolável”, que “andava à solta”, sem freios nem controlo. Mas, apesar do impacto mediático do artigo, os seus efeitos práticos foram quase nulos. Ao longo da década seguinte, a despesa do Estado continuou sempre a subir, até chegar, em 2010, a uma marca histórica: 51,8% do Produto Interno Bruto (PIB), mais de metade da riqueza produzida anualmente no país.

Desde então, a vida do ‘monstro’ tem sido mais difícil. Nem sempre é fácil notar esta dieta, porque os dados oficiais têm algum ruído e fornecem, muitas vezes, uma imagem difusa do que está a acontecer. Mas, depois de se depurar os números, é óbvio que o Estado tem vindo a perder peso em Portugal e que a dieta, mesmo que forçada, deve continuar. Eis porquê:

1. A maior contenção de despesa desde que há dados
Segundo os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) há uma semana e meia, o rácio de despesa pública sobre o PIB ficou nos 45,1% em 2016. Dito assim, pode parecer alto, mas convém contrastar este valor com o valor de 2010, quando tinha ultrapassado os 50% do PIB. Em seis anos, o peso da despesa pública no Produto nacional caiu mais de 6,7 pontos percentuais.

Os registos disponíveis mostram que nunca houve (pelo menos desde 1953) um período de contenção tão forte da despesa. Nem no final dos anos 80, quando Portugal liberalizava a sua economia para cumprir as regras da Comunidade Económica Europeia, à qual tinha recentemente aderido, se viu uma descida tão pronunciada dos gastos públicos. A infografia, de resto, mostra bem como 2010 marca um ponto de inflexão nos hábitos alimentares do ‘monstro’ de Cavaco Silva.

As rubricas que mais contribuíram para este resultado foram o investimento público e os gastos com salários. Entre cortes discricionários e medidas de consolidação “passiva” (ou seja, manter o crescimento da despesa abaixo do crescimento do PIB), passaram de um peso combinado de 20,9% para 13,3% do PIB. (E, pelo meio, já agora, houve medidas extraordinárias que, por terem tido impacto apenas em 2010, acabaram por gerar uma diminuição “automática” da despesa pública nos anos seguintes. É o caso do reconhecimento de imparidades do BPN, a contabilização de gastos escondidos da Região Autónoma da Madeira e até da compra de dois submarinos).

2. Dieta prolongada até 2021
O Conselho das Finanças Públicas (CFP) faz regularmente exercícios de projecção de tendências, que permitem ter uma ideia aproximada do perfil futuro da despesa e da receita públicas. O último exercício deste género, divulgado na semana passada, mostra que a dieta do Estado vai prosseguir de 2017 em diante. Isto é: mesmo que não haja mais medidas de consolidação orçamental, a tendência da despesa é para continuar a cair.

As descidas são feitas a conta-gotas, mas ao acumularem-se ao longo de vários anos acabam por ter um efeito considerável no quadro final. Assim, e segundo o CFP, a despesa pública total deve cair de 45,1% para 43,3% do PIB em 2021, recuando assim para os níveis de 1993 e eliminando todo o crescimento registado durante o “período euro” (2000 a 2010). A explicação para este controlo da dívida decorre da moderação das prestações sociais, por efeito da descida do desemprego, e da importância progressivamente menor das Parcerias Público Privadas nos gastos públicos.

3. Oitavo país da UE com o Estado mais pequeno
A forma mais comum de tirar as medidas ao Estado é através do peso da despesa total no PIB, mas o rigor da metodologia depende, claro, do que se entende por “tamanho do Estado”. Se é verdade que a despesa pública é a métrica mais abrangente da quantidade de gastos públicos, não é menos verdade que boa parte destes gastos são meras transferências de dinheiro entre cidadãos, e não recursos da máquina administrativa do Estado.

Esta diferença fundamental entre os dois tipos de gastos – juros, pensões e subsídios de um lado, e serviços públicos do outro (SNS, escolas públicas, universidades, exército e polícia, etc.) leva muitas vezes os economistas a separá-los e a fazer uma análise mais fina. O segundo grupo de gastos chama-se “Consumo público” e é muitas vezes usado para capturar com mais propriedade a dimensão dos recursos mobilizados pelo sector público. Ou seja, o dinheiro gasto pelo Estado na produção de bens e serviços, por oposição ao dinheiro meramente transferido para terceiros.

Quando se olha para a questão deste prisma, a conclusão inicial não só se mantém, como é reforçada. Mas o mais interessante é passar da análise temporal para a comparação especial. Segundo os dados disponíveis, Portugal já será, em 2016, o oitavo país da União Europeia com um Estado mais pequeno (ou, de forma mais rigorosa, com um Consumo Público em percentagem do PIB mais curto). Em sete anos, passou do primeiro terço para o último terço do ranking europeu.

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