O Regulamento (UE) 2023/114 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de maio, relativo aos mercados de criptoativos, e que altera os Regulamentos (UE) n.º 1093/2010 e (UE) n.º 1095/2010 e as Diretivas 2013/36/UE e (UE) 2019/1937, foi publicado no passado dia 9 de junho de 2023 e será aplicável, na sua maioria, a partir de 30 de dezembro de 2014. Este regulamento, conhecido por MiCA, é uma iniciativa integrada no designado pacote de Financiamento Digital e que visa fomentar a inovação do setor financeiro.

O advento da fintech tornou necessária a criação de um quadro regulatório que pudesse prever obrigações e requisitos específicos para a emissão, ofertas públicas e admissão à negociação de criptoativos e tecnologia DLT. Neste âmbito encontramos (i) requisitos de transparência e divulgação, (ii) requisitos para a autorização e supervisão dos prestadores e emitentes, aplicáveis ainda à sua operação, organização e governação, (iii) regras específicas para proteção dos detentores e de clientes e, ainda, (iv) medidas de prevenção de abuso e divulgação ilícita de informação privilegiada e de manipulação do mercado.

O Regulamento tem, assim, por objetivos estabelecer um quadro abrangente e harmonizado na União Europeia para os emitentes e prestadores de serviços, reforçando, neste âmbito, mecanismos contra o branqueamento de capitais. Representa, nessa medida, o esforço europeu de adaptação do mercado dos serviços financeiros para a era digital e a instrumentalização da inovação ao serviço de uma maior estabilidade e integridade do mercado (cf. art. 1.º).

Este enquadramento justifica as opções do legislador europeu quanto ao âmbito subjetivo de aplicação do Regulamento. Com efeito, para efeitos do MiCA, são consideradas tanto pessoas singulares, como pessoas coletivas. São ainda abrangidas “determinadas outras empresas” (na versão inglesa, undertakings) que estejam envolvidas na emissão, oferta pública, admissão à negociação e prestação de serviços de criptoativos na União. Esta formulação ampla permite antever a potencial abertura do Regulamento à intervenção de outras entidades ou estruturas. como, por exemplo, realidades DeFi.

O MiCA é desenhado com um âmbito específico em torno de alguns criptoativos, assim se justificando algumas das questões mais difíceis do regime. Desde logo, no que respeita à definição de criptoativos, são algumas as dúvidas: para efeitos do Regulamento, temos por criptoativo “uma representação digital de um valor ou de um direito que pode ser transferida e armazenada eletronicamente, recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou a uma tecnologia semelhante”. Naturalmente, a determinação do que se deve entender por tecnologia semelhante a DLT não é simples.

Para além disso, o Regulamento MiCA aplica-se a um escopo limitado de criptoativos, não se aplicando a (i) NFTs (ou tokens não fungíveis) ou a (ii) instrumentos financeiros, (iii) depósitos, (iv) fundos (exceto se criptofichas de moeda eletrónica), (v) posições de titularização, (vi) bem como a certos produtos, como produtos de seguros não vida ou de vida, produtos de pensões, planos de pensões profissionais, produtos individuais de pensões de reforma, Produto Individual de Reforma Pan-Europeu ou regimes de segurança social (cf. art. 2.º).

O mercado dos criptoativos é complexo e muito diversificado. Nele inscrevem-se realidades muito distintas e que impõem ao utilizador e ao regulador o esforço da especialização e domínio das tecnologias sobre as quais estes ativos assentam ou existem. Até este momento, este mercado estava (relativamente) esquecido. Veja-se que criptoativos foram, em Portugal, apenas recentemente trazidos para o sistema fiscal, com a criação de regras que determinam não apenas a definição fiscalmente relevante de criptoativo, mas ainda as atividades e operações que geram rendimentos associados a criptoativos.

Em todo o caso, inexistindo medidas de supervisão concretas, os investidores destes mercados expunham-se a riscos muito elevados. Para além disso, a assimetria de informação e desregulação que aqui se faziam sentir afastavam os consumidores destes mercados. Cremos, por isso, que a aprovação do MiCA permitirá, pelo menos numa primeira linha, fortalecer a confiança dos consumidores e aproximar o mercado, de forma estável e sustentável, destas novas realidades.

O esforço europeu na regulação destas novas realidades parece, porém, não ficar por aqui. A aplicação do MiCA suscitará, na prática, questões difíceis, em especial quanto à sua esfera de aplicação. Esperam-se, ainda, novidades resultantes dos relatórios da Comissão e das autoridades de supervisão europeias previstos sobre a aplicação do Regulamento, a evolução do mercado e os mais recentes desenvolvimentos em matéria de criptoativos (cf. arts. 140.º a 142.º), em especial no que respeita à regulação da DeFi (ou finanças descentralizadas).

Os serviços de criptoativos que sejam prestados de forma totalmente descentralizada não deverão ser, atualmente, contemplados no MiCA (cf. Considerando 22). No entanto, a avaliação do desenvolvimento de finanças descentralizadas em mercados de criptoativos, que deverá constar relatório sobre a aplicação do Regulamento, poderá, segundo cremos, conduzir o legislador europeu para um caminho distinto.