Os consumidores das zonas económicas mais desenvolvidas do mundo têm vindo a ser privados de consumo pelas sucessivas medidas de confinamento impostas no âmbito da crise sanitária. Os mais recentes dados coligidos internacionalmente apontam para um incremento das taxas de poupança das famílias sobre o rendimento disponível para níveis não observados há muito tempo, ou em alguns casos, dignos de recorde.

Segundo a Oxford Economics, estima-se que as famílias norte americanas tenham acumulado em 2020 um excedente de poupança face a 2019 na ordem dos 1.6 triliões de dólares. Simultaneamente, o HSBC aponta para que esse incremento de poupança tenha sido de 3,9% do PIB no total dos países da zona euro (equivalente a 470 mil milhões de euros) e de 7,7% do PIB no Reino Unido (cerca de 170 mil milhões de libras).

E, desta vez, a retenção de poupança nas famílias é substancialmente diferente da ocorrida em crises anteriores. Por exemplo, na mais recente crise financeira, verificou-se um aumento significativo do endividamento das famílias nos anos pré-crise, o que levou a que o período pós-crise fosse dedicado não a um incremento significativo do consumo, mas a uma recomposição do balanço familiar.

Agora, estamos perante uma crise com origem não financeira.

Isto sugere que haverá um dilúvio de consumo pós-pandemia? Julgo que não. E tudo por causa das desigualdades de distribuição de rendimento. A crise sanitária tem potencial de agravamento dessas desigualdades, uma vez que há população que tem acesso a rendimentos que, de alguma forma se mantiveram sem variações durante os períodos de confinamento. Mas uma parte muito significativa da população está a ver as suas condições de rendimento (sobretudo proveniente do trabalho) a degradarem-se com a pressão sobre a subida da taxa de desemprego.

Estamos, portanto, perante um enorme desafio de redistribuição: a reafetação da acumulação deverá ser estimulada de modo a que a recuperação económica pós-pandemia seja relativamente célere.

Ou seja, como sempre, tudo está dependente da reposição de confiança. O que virá a seguir à pandemia vai depender essencialmente do tempo decorrido até atingirmos um patamar de imunidade que permita a reposição da atividade económica num ambiente de maior segurança e confiança para os consumidores.

Está mesmo em jogo uma corrida contra o tempo. Evitar a destruição de capacidade produtiva instalada, por falta de geração de rendimentos por parte das empresas devido ao colapso da sua tesouraria, está fortemente dependente do tempo para a vacinação da população que permita um pleno funcionamento das atividades económicas, de forma segura e duradoura.

Se as coisas se atrasarem, agravam-se as condições de manutenção de empresas em funcionamento iniciando-se uma irreversível destruição de valor e de empregos, concorrendo para que a acumulação das poupanças que agora se verifica venha a gerar desigualdades significativas e desequilíbrios económicos e sociais difíceis de sanar.