Por estes dias, o presidente do Conselho Económico e Social (CES), Francisco Assis levantou um assunto muito pertinente, já debatido no Parlamento aquando da discussão e aprovação na especialidade do Orçamento do Estado para 2021, não viabilizado pelo PSD, sobre o impacto social do vício da raspadinha em face do lançamento de uma nova lotaria instantânea a lançar pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A lotaria tem lançamento previsto para dia 18 de maio e será mais uma, agora para financiar a reconstrução do património cultural.

Segundo o presidente do CES, o vício do jogo através das lotarias instantâneas (raspadinhas) tem consequências gravosas para o setor social, quer nos utentes e tradicionais jogadores, quer no financiamento do setor social. Francisco Assis referiu ainda que é imoral o Governo ignorar esta questão e pediu um estudo universitário detalhado sobre o assunto, uma vez que o problema é mais grave do que os decisores possam pensar. Foi mesmo mais longe na sua preocupação e defendeu que não pode se cair na tentação de utilizar este tipo de jogos de sorte e azar para financiar seja mais o que for.

Na verdade, quando foram lançadas as raspadinhas, o valor de receitas era residual: há dez anos gerava 100 milhões de euros de receita para um valor dezassete vezes superior em 2019, de 1,7 mil milhões de euros (mais de metade das receitas totais de jogo na Santa Casa), o que é demasiado relevante. Isto apesar de, em 2020, e fruto da pandemia, segundo dados da Santa Casa de Lisboa, a quebra de receitas ter sido considerável, o que interfere consideravelmente no valor consignado de 35% para as causas sociais que o jogo financia, caso da violência doméstica, a deficiência as UCCI´S e os acordos sociais. E para o Orçamento do Estado de 2021 o valor inscrito, como referi em tempo no Parlamento, estará sobreorçamentado, em face do decréscimo para este ano que também se prevê.

É que o bolo de receita deste tipo de jogos é só um (com ou sem raspadinhas para financiar património), e entrando mais uma nova opção de jogo para outra finalidade que não social, irá penalizar ainda mais o financiamento das causas sociais e, por outro lado, porque os tradicionais utentes desta forma de lotaria são pessoas mais carenciadas, razão pela qual este não é um problema menor. Também referi no Parlamento, dando razão às pretensões do Presidente do CES Francisco Assis, que se deveria suspender o lançamento de mais esta raspadinha, até serem conhecidos os impactos sociais, que devem ser amplamente estudados.

Esta semana, em audição parlamentar à ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, voltei ao tema, e quase nada me foi respondido, apenas que estavam a acompanhar o assunto. Convém não esquecer que este é um problema também ético e moral, pois não podem também ser os mais pobres e carenciados a financiar para além de causas sociais, os investimentos no património cultural.

Em suma, neste mercado sensível da nossa economia social, com o atual decréscimo financeiro provocado pela pandemia, e ainda em fase de consolidação legislativa para ações de jogo responsável, qual a necessidade de proceder a estas alterações e novas opções? É caso para dizer que não havia necessidade de o Estado regulador e legislador andar a jogar com o jogo e, por arrasto, com os portugueses.