Habituámo-nos a pensar no nosso país como uma eterna lanterna vermelha neste comboio europeu. Nem mesmo a recuperação económica iniciada em 2015, que culminou no superavit das contas públicas em 2019, foi suficiente para nos convencer da nossa capacidade para superar dificuldades.

Para muitos não temos mérito, apenas sorte, não trabalhamos, só pedinchamos, não planeamos, apenas improvisamos. Mas eis-nos perante uma ameaça existencial que a todos afetou por igual, ricos e pobres, povos do Norte e povos do Sul, países desenvolvidos e países em desenvolvimento. E o que constatamos?

Constatamos que Portugal esteve entre os primeiros a precaver-se, declarando o estado de emergência um dia antes da nossa vizinha Espanha com a qual dividimos a nossa única fronteira terrestre. Essa declaração teve lugar dias antes da ocorrência da primeira morte no nosso território e já depois de, voluntariamente, muitos portugueses se terem isolado em casa, seguindo as orientações do seu Governo e das suas autoridades sanitárias.

Constatamos que, desde a primeira hora, todos os pilares do poder político em Portugal se comportaram em equilíbrio, revelando a capacidade de atuarem em consenso sem caírem no unanimismo. Houve abstenções na Assembleia da República. Mas não houve votos contra. O Presidente gostaria de ver mais medidas preventivas e o primeiro-ministro hesita, mas não contraria. Os números da DGS denotam falhas evidentes. Mas já todos percebemos que a dimensão do fenómeno é indisfarçável e que as falhas de hoje são corrigidas amanhã.

E, sobretudo, ninguém duvida das intenções, jornalistas e analistas mantêm o escrutínio, fazem as perguntas difíceis e pedem números, “quantos ventiladores” , “quantas máscaras”, “porque não acorreram ainda à Misericórdia de Aveiro”, não baixando a guarda, mas resguardando-se de agredir, conscientes de que o secretário de estado está tão vulnerável quanto o homem na rua ao vírus insidioso.

Constatamos ainda a qualidade do nosso Sistema Nacional de Saúde. Temos, a esta data, cerca de 1.500 camas ventiladas, mas apenas 271 estavam ocupadas por doentes Covid. Onde, nos todo-poderosos Estados Unidos vemos caos, pânico e impotência, onde na Espanha vemos pessoal sanitário a fazerem batas de sacos de lixo, por cá vemos e denotamos inegáveis carências pontuais, sempre denunciadas, mas o panorama geral é de serena eficiência e de profícuo esforço para fazer face a esta desgraça que sobre nós se abateu.

Em Abrantes, no hospital dedicado a tratamento exclusivo de Covid, no dia da reportagem da SIC apenas 35 das 145 camas estavam ocupadas e médicos e enfermeiras trabalhavam em turnos de 4 horas. Em França, na Itália, na Espanha, e agora no Reino Unido e nos EUA nenhum médico ou enfermeiro deita horas ao seu turno, trabalham até mais não poder. E a Holanda, que tantas lições persiste em nos dar, tem neste dia, 123 falecidos por milhão de habitantes onde Portugal tem 34.

A vantagem portuguesa, desta feita como na passada e famigerada crise é apenas uma: ao contrário dos outros países, somos realmente uma comunidade forjada em quase 900 anos de vida em comum, com a noção plena da nossa identidade, com os instintos de sobrevivência e solidariedade que nos levam a comportar com quase total coesão. E não é este um texto nacionalista.

Vemos como os nacionalismos levam os Estados Unidos a piratear máscaras e Bolsonaro a afirmar que “o brasileiro deve ser estudado porque mergulha em esgoto e não acontece nada”! Não. Esta é apenas uma constatação da realidade histórica que nos trouxe até aqui e que nos ajuda, sistematicamente, a superar as crises mais difíceis.

Hoje, dia 7 de Abril, o “New York Times” escreveu o seguinte: “O principal vizinho de Espanha tem tido bem melhor sorte. Apesar de partilharem uma fronteira de mais de 1200 kms, Portugal atingiu os 200 mortos na semana passada quando a Espanha já superava os 10.000. Neste país, um outro primeiro-ministro também socialista [à semelhança de Pedro Sanchez], viu os membros dos partidos da oposição cerrarem fileiras atrás de si. Costa avisa que mais dor aguarda o país. Mas o Dr. Rodriguez Artalejo [epidemiologista e professor universitário em Espanha] diz que, até agora, ‘Portugal merece a nossa admiração’”.

Que continuemos assim pelo muito que ainda aí vem.