Quando andamos pelos bairros históricos portugueses, é cada vez mais comum verificar que estão em acelerada transformação. Em Lisboa e no Porto, por vezes, deixamos mesmo de reconhecer a nossa identidade histórica. Um processo de metamorfose que não envolve apenas mudança da realidade arquitetónica, mas o seu próprio carácter.

Em 1964, a socióloga britânica Ruth Glass cunha este fenómeno como gentrificação. Um fluxo de novos moradores de classe média que se deslocam para bairros bem localizados, com residentes com baixos níveis de rendimento, que são posteriormente reabilitados por novos empreendimentos, com espaços urbanos residenciais e de comércio, inacessíveis aos antigos moradores.

Em Portugal, mais recentemente sob crescente pressão turística, o investigador Luís Mendes, associa o termo à “turistificação, que não é só a expansão do turismo, mas o fenómeno do domínio hegemónico do turismo na economia e na sociedade de um determinado território, ao ponto de criar uma economia mono funcional. E isso representa um risco para a resiliência dos bairros históricos e das suas comunidades”.

A palavra gentrificação não é comum para a maioria de nós, mas é, neste momento, um dos protagonistas do sistema económico caracterizado pela tendência de mercantilização das cidades. Esta tem efeitos profundos ao nível urbanístico e arquitetural, ao elevar o nível económico da população de um bairro e mudar o seu caráter social ou cultural. Para a socióloga Saskia Sassen trata-se da crescente privatização e transformação do urbano num parque temático.

No entanto, os processos de desigualdade social associados não envolvem apenas a deslocalização de populações mais desfavorecidas para as periferias das cidades, mas também bolsas dinâmicas de organização e resistência coletiva de produção da cidade. Para Ana Estevens “há espaços que conseguiram traçar outros caminhos e aproveitar positivamente as oportunidades geradas pela criatividade” a partir do conflito. O espaço público é, assim, palco de diversos movimentos e coletivos que dão voz a experiências e práticas alternativas.

A arquiteta Andreia Garcia desafia os decisores públicos a um pensamento urbano saudável e a longo prazo, através da introdução de metodologias de ação que decorram “do olhar orgânico de transitividade entre a arquitetura, o turismo, a política urbana e a própria condição humana. É necessária uma estratégia articulada de defesa do património arquitetónico, urbano, social e cultural”.

Mariana Pestana, cofundadora do coletivo “The Decorators”, alerta para a necessidade de resgatar esta cidade de volta para os seus habitantes e para a preservação da identidade dos lugares. Para tal, é fundamental “trabalhar com comunidades locais, no sentido de desenvolver com elas, a partir delas, modelos de desenvolvimento consciente”. Isto significa que é preciso desenhar projetos de gentrificação consciente que apresentem cenários do que vai ser transformado e daquilo que não precisa de qualquer transformação.

Em suma, arquitetos e urbanistas são chamados a desenhar soluções criativas integradas em estratégias maiores, onde é dada voz a uma consciência social e política que tem especial atenção a contextos sociais diversificados. Parafraseando João Seixas, professor e investigador, “um dos elementos mais ricos que a cidade pode ter é a mistura”.