A auto-execução ecossistémica da Blockchain representa o início da 4ª Revolução Industrial. Mas porque se chama web3? Na verdade, foi por engano, mas agora o termo já se tornou num standard e não há nada a fazer.

Tudo começou com a internet, a qual entrou em produção no final dos anos 60, tendo sido desenvolvida com o alto patrocínio dos militares norte-americanos no rescaldo da crise dos mísseis soviéticos a caminho de Cuba em 1962. Consta até que, durante essa crise, o comandante soviético de um dos quatro submarinos provenientes do lado de lá da cortina de ferro, munidos de mísseis nucleares, chegou mesmo a dar a ordem para ser disparado um deles, e que só o milagre atribuído a Vasily Arkhipov impediu tal desastre.

A internet surgiu assim da necessidade de criar um conjunto de protocolos de comunicação extremamente resilientes, dada a crença de que um desastre maior poderia acontecer. Porém, a sua expansão à escala mundial demorou décadas, e por duas razões.

Em primeiro lugar, tal difusão dependeria da existência de uma linguagem comum, e isso demora tempo. É que, na altura, outras redes de comunicações provenientes de espaços geopolíticos em competição ambicionavam o mesmo propósito, e as suas leis favoreciam a criação de barreiras fortes à adopção de protocolos estrangeiros. Tal aconteceu, aliás, em todos os países da Europa Continental até final dos anos 90. Em segundo lugar, para uma adopção generalizada, também é preciso que a interface de utilização seja suficientemente simples. Pois é precisamente aqui que entra a World Wide Web na sua primeira versão, mais conhecida simplesmente por Web.

A Web foi desenvolvida nos anos 90 com o propósito de simplificar a forma de aceder aos dados em redes de computadores, e teve como resultado os browser que utilizamos hoje (e.g., Safari, Firefox, Chrome), onde tudo está à distância de um clique. Antes da Web não havia forma de aceder à informação residente nos servidores espalhados pelo mundo sem recurso a mensagens escritas num teclado, fosse, por exemplo, por correio electrónico (e-mail), pela transferência de ficheiros (File Transfer Protocol), ou pela partilha de algumas opiniões num sistema chamado Newsgroups (i.e., um sistema distribuído de difusão de notícias que ajudou a criar o conceito de forum na internet). A Web veio revolucionar tudo isso.

Com o incrível desenvolvimento dos meios de comunicação das últimas duas décadas, e uma interacção cada vez mais próxima do que é natural para o ser humano, o crescimento da Web tornou-se imparável, e com ela a abrangência da própria internet. A seguir, o desenvolvimento em força das redes sociais nos anos 2000 alterou tanto a forma de comunicar entre todos nós que se convencionou chamar-lhe Web 2.0 (havendo hoje quem lhe chame web2). De facto, a criação de valor das redes sociais tem provocado mudanças disruptivas, algumas delas cataclísmicas (tais como a “Primavera Árabe” em 2011, ou o assalto ao capitólio nos EUA em 6 de Janeiro de 2020).

E é este o mundo em que vivemos hoje, com smartphones a permitir toda esta efervescência, multiplicando exponencialmente a influência da comunicação em todas as dimensões do pensamento humano. Pois bem, a web3 é a disrupção mais recente, oferecendo a auto-execução ecossistémica com os Smart Contracts de uma qualquer Blockchain. Representa de facto um avanço sem precedentes na conveniência da interacção para todo o tipo de transacções, cuja utilidade temos vindo a discutir neste espaço.

Acontece que, antes da web3, já havia um outro conceito de Web proposto pelo arquitecto da versão original (de nome Tim Berners Lee), e que é a Web Semântica. Na altura, muitos autores convencionaram chamar-lhe Web 3.0, pela forma como todos passámos a ter acesso ao conhecimento na Web, em vez de simples dados. É nesta Web Semântica que o “tio” Google responde hoje às nossas pesquisas, com mapas, fotos, e o que mais fizer sentido, muito para além de simples links como inicialmente.

Portanto, quem se lembrou de chamar web3 a este mundo da auto-execução ecossistémica, não sabia com certeza da existência da Web Semântica, pelo que ficámos agora com dois nomes parecidos (web3 vs Web 3.0) para coisas tão diferentes. Torna-se irresistível citar um personagem de humor conhecido por Diácono Remédios: “não havia necessidade”. Mas o que lá vai, lá vai.

Será que a web3 se vai difundir com a mesma pujança que a Web e a Web 2.0? Sem dúvida, até porque vai beneficiar dos efeitos das redes sociais já existentes. Além disso, a utilização da própria web3 vai continuar a simplificar-se, dado o nível de investimento sem precedentes nesta tecnologia. É por isso que vamos atingir rapidamente à conveniência de se poder executar todo o tipo de transacções com a facilidade de se ler um QR code, o que se torna imparável dado o imutável princípio do universo conhecido por “lei do menor esforço”.

Finalmente, a web3 é capaz de criar ecossistemas de raiz, favorecendo as economias, ao contrário do que tem acontecido até hoje com as versões anteriores da Web, as quais beneficiaram quase exclusivamente as zonas do globo que albergam as Big Tech. Porém, dada a abrangência das transacções que a web3 pode suportar, ainda vamos ter de esperar pela evolução da legislação que o permite em cada um dos sectores. É, aliás, caso para perguntar outra vez de que estamos à espera.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.