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Acordo com vereadores comunistas pode ser alternativa a governação minoritária para Carlos Moedas

Repetição do precedente do vereador comunista Rui Sá, que recebeu o pelouro do Ambiente e garantiu maioria a Rui Rio no primeiro mandato enquanto presidente da Câmara do Porto, pode parecer improvável mas seria a solução mais fácil para garantir maioria a Carlos Moedas. Paulo de Morais recorda a importância que o eleito da CDU teve para assegurar “paz social” e o funcionamento diário da autarquia.
28 Setembro 2021, 08h00

Depois de ter sido eleito presidente da Câmara de Lisboa, na maior surpresa das eleições autárquicas deste domingo, Carlos Moedas tem pela frente um dilema com que antes dele já se depararam muitos outros: como governar quando não se dispõe de maioria no próprio executivo camarário e na Assembleia Municipal, à qual compete aprovar orçamentos ou alterações ao plano diretor municipal?

Na prática existem duas respostas possíveis para o social-democrata que já foi comissário europeu, sendo uma delas a governação minoritária, distribuindo pelouros por si próprio, pelo seu vice-presidente Filipe Anacoreta Correia e pelos vereadores Joana Almeida, Filipa Roseta, Diogo Moura, Ângelo Pereira e Laurinda Alves, e a outra negociar um acordo com a oposição. Sendo nesse caso o cenário mais exequível, por improvável que pareça à primeira vista, um entendimento com a CDU, cujos dois eleitos chegariam para assegurar maioria ao vencedor das autárquicas na capital.

Existe um claro precedente na forma como o atual líder do PSD, Rui Rio, ultrapassou a ausência de maioria absoluta ao ser eleito presidente da Câmara do Porto, nas autárquicas de 2001, contribuindo para a vaga de triunfos do centro-direita que conduziram à demissão do primeiro-ministro António Guterres – autor da célebre expressão “evitar o pântano político”. Sem ter maioria no executivo camarário, a solução passou por chegar a acordo com o vereador comunista Rui Sá, ao qual foi atribuído o pelouro do Ambiente, por si desempenhado ao longo dos quatro anos seguintes.

Em declarações ao Jornal Económico, o professor universitário e ex-candidato presidencial Paulo de Morais, que era então vice-presidente da Câmara do Porto, recordou que a integração de Rui Sá, juntando-se aos quatro vereadores do PSD e aos dois do CDS-PP, foi essencial para garantir a gestão quotidiana da autarquia, evitando os entraves que decorreriam de uma governação em minoria, e também para assegurar “paz social”, na medida em que o pelouro do eleito da CDU tinha uma componente administrativa que lhe permitia tutelar cerca de um milhar de trabalhadores camarários. E, assim sendo, ao longo do mandato foram frequentes as “justas reivindicações” de melhores condições de trabalho, o que também o beneficiava politicamente.

“Se eu estivesse na equipa de Carlos Moedas era o que faria”, diz Paulo de Morais, advogando um acordo com os dois vereadores lisboetas eleitos pela CDU como a melhor forma de assegurar a governabilidade, até porque – tal como sucedeu no Porto há duas décadas – esse entendimento poderia alterar igualmente o balanço de poder na Assembleia Municipal. Algo que facilitaria a gestão do substituto de Fernando Medina, embora o professor universitário e ativista anticorrupção sublinhe que contar com maioria no executivo camarário é “muito mais importante no funcionamento diário”.

Vitórias com menos de metade

Apesar de ter sido o mais votado, Carlos Moedas, cabeça de lista da coligação Novos Tempos (PSD, CDS-PP, Aliança, MPT e PPM) não foi além de 34,26% e elegeu sete vereadores, tantos quantos a coligação Mais Lisboa (PS e Livre), que visava a reeleição de Fernando Medina para mais um mandato, e conseguiu 33,31% dos votos válidos.

Também representados no executivo camarário estarão a CDU, que mantém dois vereadores, incluindo o eurodeputado comunista João Ferreira, e o Bloco de Esquerda, que volta a eleger um, desta vez a deputada Beatriz Gomes Dias. Ou seja, como foi sublinhado diversas vezes na noite eleitoral, existe uma maioria de esquerda na Câmara de Lisboa, mas a legislação eleitoral indica que o primeiro nome da lista mais votada seja o presidente da câmara, pelo que o lugar de Carlos Moedas não está posto em causa por ter apenas sete entre 17 lugares na vereação.

Ainda maior é o desequilíbrio na Assembleia Municipal de Lisboa, para a qual tanto a coligação de Moedas como a de Medina elegeram 17 deputados municipais, existindo ainda seis comunistas, quatro bloquistas, três eleitos pela Iniciativa Liberal, três pelo Chega e um pelo PAN. No entanto, como os presidentes das 24 juntas de freguesia também têm assento nesse órgão de poder local, os 13 vencedores da Mais Lisboa dão vantagem aos socialistas, já que o centro-direita (apesar das conquistas de Alvalade, Arroios, Avenidas Novas, Lumiar, Parque das Nações e São Domingos de Benfica) tem apenas uma dezena de presidências de junta, sobrando Carnide para a CDU.

Isso significa que, mesmo com apoio dos dois partidos à sua direita, a candidata da coligação Novos Tempos à presidência da Assembleia Municipal de Lisboa, a médica e ex-deputada centrista Isabel Galriça Neto, conta apenas com 33 dos 75 eleitos, muito aquém dos 38 necessários para obter maioria absoluta.

Não é a primeira vez que um presidente da Câmara de Lisboa elege apenas mais seis vereadores além de si próprio, tendo sucedido o mesmo ao centrista Nuno Krus Abecasis em 1982, quando se recandidatou pela Aliança Democrática após um mandato inicial com maioria absoluta. Nessa altura a vereação era constituída por sete elementos do centro-direita, cinco do PS e cinco da Aliança Povo Unido (antecessora da CDU), o que levaria a que vereadores comunistas acabassem por receber pelouros.

Mais fácil tem sido a obtenção de soluções de governação nas décadas mais recentes quando o vencedor não consegue ter mais eleitos do que a oposição. Fernando Medina precisou de contar com o bloquista Ricardo Robles (e mais tarde Manuel Grilo) para obter maioria no executivo camarário em 2017, António Costa juntou os dois eleitos dos Cidadãos por Lisboa ao então independente eleito pelo Bloco de Esquerda José Sá Fernandes na sequência das intercalares de 2007, Pedro Santana Lopes contou com o eleito do CDS-PP (primeiro Paulo Portas, depois Pedro Feist e mais tarde António Carlos Monteiro) em 2001 e Carmona Rodrigues juntou aos seus vereadores a centrista Maria José Nogueira Pinto em 2005.

Tempo de “analisar as possibilidades que existem”

Sendo certo que nenhum caminho deste tipo será fácil para Carlos Moedas, que ouviu logo na noite eleitoral Catarina Martins deixar claro que os bloquistas afastam à partida qualquer entendimento com a direita, o presidente eleito da Câmara de Lisboa reafirmou nesta segunda-feira que pretende conversar nos próximos dias com toda a oposição. Segundo os seus próximos, ainda é tempo de “analisar as possibilidades que existem” e “muito cedo” para tomar decisões.

Até que ponto daí poderá sair um entendimento para os próximos quatro anos dependerá sobretudo do cálculo de custo e benefício para os envolvidos, sendo certo que fontes ouvidas pelo Jornal Económico admitem que é tudo menos impossível encontrar pelouros que pudessem ser assumidos por vereadores comunistas sem que as enormes divergências ideológicas em relação à coligação vencedora em Lisboa torne impossível quatro anos de convivência mutuamente proveitosa.

“Conto com todos os partidos e todos os vereadores”, disse Carlos Moedas nesta segunda-feira, horas depois de o comunista João Ferreira dizer que ainda seria feita uma reflexão e discussão com base nos resultados autárquico. “Com uma CDU mais forte, Lisboa contará com ainda mais força”, garantiu o também eurodeputado.

 

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