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Ainda não é desta que nos tornamos a Noruega

Vale a pena arriscar a costa à procura do ouro negro? Há argumentos dos dois lados, mas a resposta final fica outra vez adiada.
20 Setembro 2016, 11h45

Na Nazaré, um fe­nómeno repete-se há milhares de anos e apenas os mais conhecedores conseguem detetá-lo. Em algumas rochas costeiras, por vezes, liberta-se uma fugaz gota de petróleo. Este pequeno resquício do subsolo profundo acalenta, há oito décadas, a dúvida de Portugal ter petróleo para explorar, mas esse enigma está pa­ra durar. Os principais projetos de pesquisa no país, que tanta polémica causaram no verão, dificilmente sairão do papel nos próximos tempos.

Portugal atribuiu cinco grandes concessões de petróleo, duas estavam em fase mais adiantada. Uma delas, a mais promissora, era no mar do Algarve, atribuída ao consórcio Partex/Repsol. O primeiro furo exploratório estava previsto para outubro, mas o prazo não será cumprido. “Com o preço atual do petróleo, está em banho-maria”, adianta o presidente da Partex, António Costa Silva, ao Jornal Económico, não se comprometendo com nova data.

‘Timing’ não é o melhor
Uma sonda exploratória chega a custar 60 milhões de dólares. Com a cotação atual do petróleo, é um bilhete de lotaria demasiado caro pa­ra as petrolíferas. Historicamente, apenas uma em cada cinco perfurações descobre reservas em quantidade suficiente para haver rentabilidade.

O consórcio continua as atividades de rotina, faz estudos geológicos, mas o barco-sonda que iria perfurar o fundo do mar, para determinar se há, de facto, reservas de petróleo e gás no Algarve, não virá para Portugal. “Com o pe­tróleo em torno de 75-80 dólares pode ser interessante, mas, nos próximos tempos, será difícil. Portugal continua a ser área com interesse, mas não com estes preços”, acrescenta o gestor.

A atual cotação do petróleo é um obstáculo difícil de ultrapassar. “Os preços estão baixos em termos nominais, mas, em termos reais, descontada a inflação, estão ainda mais baixos. Nas pros­peções em Portugal, a ideia que fica é que são projetos de fronteira. Quando o preço sobe, o interesse das empresas aumenta, quando desce, o interesse diminui”, diz ao Jornal Económico Luís Aguiar-Conraria, que estudou a economia do petróleo.

A outra concessão mais avançada era a da Galp e da Eni, na costa alentejana e, neste caso, há muita incerteza. Estava prevista uma per­furação exploratória também este ano, o último permitido pelo contrato para a sondagem. Mas o Go­verno alargou o prazo de consulta pública para a prospeção, o que inviabilizou o começo dos trabalhos. Entretanto, o barco-sonda da Eni que iria fazer a prospeção foi desviado para outro local, onde ficará nos próximos meses. Num projeto que tem merecido forte contestação de moradores, ambientalistas, autarcas e até de empresários, o calendário eleitoral torna difícil a execução. Com eleições para as câmaras municipais marcadas para daqui a um ano, autorizar a prospeção de petróleo traz riscos eleitorais.

Com as duas principais áreas de exploração em suspenso, todas as outras estão numa fase embrionária. Sousa Cintra incumpriu as obrigações no contrato de prospeção de petróleo em terra no Algarve, e a Procuradoria-Geral da República está a analisar se há motivos para declarar a nulidade do contrato. Foram depois concedidas concessões à Australis, mas esta empresa está ainda a analisar os dados geológicos. Embora acredite que a área é atrativa, não tem ainda planos concretos de perfurações. “No presente, não está planeada uma perfuração exploratória, mas permanece possível nos primeiros três anos iniciais”, adi­an­tou ao Jornal Económico o porta-voz do grupo australiano.

Desta vez é diferente?
Para trás, fica um verão de forte contestação à exploração de petróleo e oito décadas de tentativas de encontrar aquela matéria-prima – todas elas infrutíferas. Foi em 1938 que o Governo de Sa­lazar emitiu um alvará de concessão para pesquisa de petróleo nas bacias Lusitânica e do Algarve. Já se fizeram múltiplos testes conhecidos como sísmica 2D e 3D, que dão algo parecido a uma radiografias ou um TAC do subsolo – e há indícios da existência de petróleo. Mas o passo seguinte – as sondagens que furam o solo a procurar reservas – não tem tido resultados.

No Algarve, já houve cinco furos exploratórios muito perto da costa, na década de 90, mas a uma profundidade baixa. O consórcio Par­tex/Repsol iria agora fazer uma sondagem a 1500 metros de profundidade, a mais de 30 quilómetros da praia. A bacia concessionada está na continuidade do golfo de Cádiz, em Espanha, onde a Repsol já explorou petróleo no passado. “O potencial é bastante superior ao do Golfo de Cádiz. As estruturas mapeadas são atrativas, não sabemos é se estão preenchidas”, explica Costa Silva.

O que ganha a economia
No melhor cenário, o presidente da Partex admite que haja gás no Algarve para alimentar o consumo energético do país por 10 a 12 anos. “Vários países do mundo compatibilizam o turismo e a pesca com a exploração de petróleo – veja-se o caso da Noruega. Poderá ser um novo eixo de crescimento económico”, sustenta, lamentando a contestação “pouco racional” que o projeto tem sofrido. Algumas estimativas provisórias indicam que o impacto da exploração de petróleo e gás no Algarve poderia ter um impacto de 1,5 mil milhões de euros na região.

Mas será assim tão líquido? Quem contesta a exploração de petróleo aponta que são as empresas privadas a ganhar com a exploração de petróleo, já que o nível de rendas pagas pelas áreas de concessão é baixo.

Na indústria, calcula-se um indicador global conhecido co­mo government take, que calcula o retorno público total dos investimentos petrolíferos através da soma de várias parcelas: rendas, impostos como o IRC e o IVA, os ‘royalties’ sobre a extração de petróleo, etc. No caso português, este indicador está em 35%, um nível semelhante ao de outros países sem grande historial de recursos petrolíferos, como a Irlanda ou Espanha.

A Noruega consegue ficar com uma fatia de 79%, mas tem recursos petrolíferos comprovados. Aliás, quando se diz que Portugal poderia ser a Noruega, está-se a criar uma imagem distorcida da realidade. Este país nórdico tem múltiplas explorações no Mar do Norte, a uma profundidade mais baixa e rentável do que em Portugal. A única concessão portuguesa com profundidades semelhantes é no Algarve; as do Alentejo e na bacia de Peniche trazem muitas dúvidas sobre a viabilidade dos custos de exploração.

Riscos ambientais
Perante o potencial mais limitado, há quem conteste que se dinamize uma indústria que pode por em risco atividades económicas já consolidadas, como o turismo no Algarve. As câmaras municipais estão contra estes projetos, há abaixo-assinados subscritos por milhares de cidadãos e os argumentos das petrolíferas são até postos em causa por uma união improvável: empresários e ambientalistas estão do mesmo lado da barricada. “A exploração do petróleo e o turismo são conflituantes entre si. Uma atividade poluente a par de uma atividade que precisa de ambiente de qualidade não lembra a ninguém minimamente esclarecido”, frisa o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), Elidérico Viegas, que questiona: “O turismo já está consolidado e gera seis mil milhões de euros por ano. Vamos pôr isso em risco?”

Nuno Sequeira, da Quercus, mostra também resistência. “Estes projetos são próximos de reservas ou de parques naturais. Há riscos associados a derrames ou fugas. Quando estes acidentes ocorrem, os prejuízos são gravíssimos, não só em termos ambientais como económicos”.

Por outro lado, o argumento de que se poderia estar a criar mais riqueza e emprego numa região que, fora do verão, tem graves problemas económicos, é válido.

Mas é pouco consequente com a atuação das autoridades regionais e locais que, em prol do turismo, têm dificultado outras atividades com riscos bem mais baixos.

Em parte da Costa Vicentina, por exemplo, algumas autarquias estão a travar novas produções de frutos silvestres, porque as estufas ficam mal na paisagem que se vende aos turistas. Será que uma plataforma de petróleo em frente à praia cai melhor à vista?

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