Ambiguidade construtiva é um dizer diplomático, muitas vezes atribuído a Henry Kissinger, para caracterizar as situações em que pouco ou nada se avança, mas que deixa alguma luz para um eventual avanço em negociações futuras. Aquilo que se designa, em linguagem mais prosaica, de ‘passo de caracol’, o que já não seria mau, se o fosse.

Vem isto a propósito de estar muito em voga falar-se dos problemas demográficos do nosso país. Todos os partidos dizem estar muito preocupados com a questão da demografia, mas são tão ambíguos no que dizem que não se percebe aonde querem chegar. Ou se desejam chegar a algum lugar. Se desejam mesmo atacar o problema através de negociação (ambiguidade construtiva) ou apenas estar com o pé na onda. De facto, a situação que nos espera, nesta e noutras áreas onde, aparentemente, não seria difícil concertar esforços, não se apresenta risonha. Nada mesmo.

O trabalho mais recente do INE sobre cenários demográficos é de Março de 2017, com base na população de 2015 e ano de referência 2080. O INE costuma divulgar esta informação de 3 em 3 anos. Olhando então para alguns indicadores a partir das estimativas do INE e segundo o seu cenário central (o INE explora mais três cenários), a situação projectada é mesmo complexa, para não usar outros termos. Alguns valores desse cenário a reter:

População – 2015: 10,3 milhões de habitantes; 2080: 7,5 milhões

Jovens – 2015: 1,5 milhões; 2080: 0,9 milhões

Idosos – 2015: 2,1 milhões; 2080: 2,8 milhões

Índice de envelhecimento – 2015: 147; 2080: 317

População activa – 2015: 6,7 milhões de pessoas; 2080: 3,8 milhões.

Uma simples e breve leitura destes valores, mesmo admitindo que se trata de ordens de grandeza orientadoras e não de números exactos, pois existem sempre factores não dominados, apesar da demografia ser das áreas em que há uma maior aproximação à tendência real, Portugal neste cenário chegará a 2080 com uma população residente muito aquém dos 10 milhões (7,5 milhões) e uma população activa ligeiramente abaixo de 57% da actual, ou melhor, em função do ano base 2015.

Certamente, se actualizados estes números com base em 2017, os valores projectados acusariam um cenário ligeiramente pior. Aliás, há quem refira que o próximo recenseamento populacional de 2021 vai acusar um volume da população portuguesa abaixo dos 10 milhões, quando neste cenário tal quadro é admitido apenas para o ano de 2031, ou seja, 10 anos depois. Por outro lado, a perda do número de jovens é assustadora, 600 mil a menos, assim como o agravamento esperado no índice de envelhecimento, mais do que duplica.

Estes números dão para reflectir um pouco e começar a questionar toda esta situação prevista e bem próxima do real possível. E, sem dúvida, a primeira grande interrogação que se nos coloca – face a esta tendência central apontada pelo INE, nem a mais dramática, nem a mais optimista – é se faz sentido admitir a sua reversão ou no mínimo sustê-la?

Para começar a equacionar uma resposta, temos, no mínimo, de tentar aproximar-nos um pouco das suas raízes, mais longínquas, mais recentes e actuais.

Pensando em 2017. Tivemos uma situação, embora com dados provisórios, que contrastam com os dois anos anteriores. Em 2017, aumentou o número de óbitos e diminuiu o número de nascimentos (o que leva a questionar também o impacto de alguns paliativos existentes em certas autarquias, como os donativos monetários a nascimentos no concelho!). A redução da taxa de natalidade já é uma tendência muito antiga. Uma mudança geracional. O aumento de óbitos é uma tendência decorrente do índice de envelhecimento cada vez mais acentuado.

Neste contexto, o saldo natural tende a agravar-se. E depois há a considerar para o saldo global os efeitos das migrações. Nos últimos anos, este último efeito tem sido altamente negativo em Portugal, desencadeado pela forte corrente de gente jovem que emigrou, reduzindo a faixa populacional em idade fértil. Há a considerar também a dimensão das gerações que à medida que vão chegando à idade fértil é cada vez mais estreita, fruto da natalidade anterior mais baixa (menos nascimentos).

Os anos de 2015 e 2016 foram contra a corrente, talvez uma consequência pós-crise: as expectativas da reposição salarial terão levado a decisões adiadas, por exemplo sobre o primeiro filho. 2017 é um retorno à tendência sustentada das baixas taxas de natalidade e dos saldos populacionais negativos.

Em minha opinião, não haverá reversão da situação, exactamente porque a dimensão das gerações em idade fértil tende a ser/é cada vez mais estreita. Quando muito poderá tentar-se uma contenção de prejuízos. Aliás, todos os cenários apresentados pelo INE vão nesse sentido. Apenas diferem entre si por serem mais optimistas ou menos optimistas.

Assim, surge uma outra nova questão: como saber viver e preparar a sociedade do futuro para este novo modelo? Sem dúvida está a desenhar-se um novo modelo de decréscimo populacional do país. Só que esta nova questão cruza-se com o nosso baixo patamar de desenvolvimento: baixas produtividades, baixos salários, burocracia, etc.

O problema que se coloca então aos partidos e à governação vai num duplo sentido: conter os estragos que se acumularam, sendo muitos irreversíveis, como as mudanças societárias e de mentalidade. Ninguém hoje quer/deseja muitos filhos por vários motivos. E como pensar em organizar/preparar a sociedade para esta nova realidade sem perda de qualidade de vida? Ora isto traduz-se em que será necessário produzir mais com menos gente.

E será que a sociedade não necessita, para isso, de muitas decisões de fundo diferentes e inovadoras, inclusive em domínios tão distantes como a organização do trabalho, as qualificações técnicas, a cultura, novas mentalidades, espírito de iniciativa inovador, financiamentos ajustados a este novo tipo de empreendimentos…? E quanto tempo levarão estas e outras transformações?!

Registo estas dúvidas e preocupações. Porque se não nos preocuparmos com estas transformações de adaptação urgentes, o retrocesso civilizacional pode ser um cenário bem plausível.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.