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António Costa e Silva: um gestor à margem dos alinhamentos políticos

Pouco conhecidos dos portugueses em geral quando foi convidado por António Costa para engendrar um plano geral de desenvolvimento para o país, a sua nomeação para o CNA do PRR já foi quase mera formalidade. Vai a ministro? Nada podia ser mais natural.
  • Cristina Bernardo
23 Março 2022, 20h14

Engenheiro, professor universitário e gestor, presidente desde 2003 da Comissão Executiva da Partex Oil and Gas, empresa petrolífera detida até 2019 pela Fundação Gulbenkian e entretanto vendida aos tailandeses e fechada de vez, António Costa e Silva era, quando foi convidado em 2020 para gizar o plano de recuperação económica do país após a crise pandémica, um desconhecido do grande público. Para além das suas evidentes qualidades técnicas, essa circunstância obedecia a um dos critérios centrais procurados por António Costa: alguém que não estivesse contaminado por um qualquer alinhamento político, fosse com que partido fosse.

O plano que deu entretanto a conhecer era um espelho desse desalinhamento: os chavões políticos, o economês incompreensível e a vulgata liberal estavam surpreendentemente ausentes: António Costa e Silva preferiu pincelar o seu plano com um aparato filosófico que deixasse perceber (ou talvez apenas percecionar) um destino comum que importava alcançar em conjunto. Hermético, disseram uns, vago, acusaram outros, pura poesia. Resultado: o plano passou surpreendentemente incólume ao crivo das análises partidárias.

Neste quadro, a sua escolha para presidir à Comissão Nacional de Acompanhamento (CNA) do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a partir de maio de 2021 foi não apenas natural, como – e isso era tudo o que António Costa queria – estancou de imediato as críticas vindas principalmente da sociedade civil (com as associações empresariais em primeiro plano) segundo as quais o mais provável seria que os fundos do programa europeu iriam “beneficiar os mesmos de sempre”. É que não eram ‘os mesmos de sempre’ que estavam à frente da CNA, mas sim António Costa e Silva.

O especialista na área das energias teve ainda a sabedoria – que faltou por exemplo ao vice-almirante Gouveia e Melo – de não se ofuscar com proximidade do poder, e não só não lhe terá passado pelo instinto considerar que pode um dia vir a ser Presidente da República, como não deu qualquer mostra pública de vassalagem partidária.

A sua inscrição no pequeno grupo de ‘ministeriáveis’ resultante das eleições antecipadas de 30 de janeiro passado surge assim aos olhos dos portugueses não apenas como natural, mas também como um sintoma de que, de vez em quando, os primeiros-ministros lembram-se de que o mundo não se esgota no aparelho do seu próprio partido. Nesse sentido, António Costa e Silva está nos antípodas de alguém como Fernando Medina, defenestrado da Câmara Municipal de Lisboa em setembro do ano passado.

Pouco importa que Costa e Silva esteja escalonado para a Economia, para o Planeamento, ou para outra pasta qualquer. O que a António Costa importa é que, enquanto ministro, António Costa e Silva terá um longo ‘estado de graça’ – a não ser que faça uma portentosa e muito pouco espectável asneira – que será tremendamente importante para os dias perigosos que se adivinham na frente económica.

O PRR prevê reformas e investimentos nas áreas sociais, do clima e da digitalização no valor de 16,6 mil milhões de euros, dos quais 13,9 mil milhões dizem respeito a subvenções a fundo perdido. E o plano de António Costa e Silva teve o grande benefício de convencer os portugueses de que, quando a coisa é a doer, o melhor para todos é que seja o Estado a gerir os recursos.

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