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Ardem milhares de milhões de cada vez que a temperatura sobe sem medos

Embora haja quem aprecie o calor, há temperaturas que são demasiadas. Quem o diz é a economia mundial, uma das vítimas de um “crime” que todos cometemos e pode levar a que as metas do Acordo de Paris não sejam cumpridas.
29 Julho 2023, 15h00

Artigo originalmente publicado no caderno NOVO Economia de 22 de julho, com a edição impressa do Semanário NOVO.

As temperaturas têm estado a subir em praticamente todos os cantos do mundo e já estão a apresentar os seus impactos económicos.
Desde o início do mês que várias cidades europeias estão a arder em febre, com temperaturas acima dos 40 oC, e, embora estejamos no verão, nada o fazia prever. Os meteorologistas atribuem as culpas à alta pressão no sul do mar, às poeiras do Sara e às temperaturas altas da superfície oceânica. O mesmo acontece na Ásia: na China, por exemplo, há cidades que já ultrapassaram os 50 oC, um valor que era impensável atingir há algumas décadas.

Um estudo publicado na revista Science Advances no fim do ano passado, realizado por uma equipa de cientistas da Universidade de Dartmouth, estima que as vagas de temperaturas elevadas tenham um custo superior a vários biliões de dólares para as economias mundiais. Este é um peso que todos teremos de suportar devido às inações que escolhemos praticar, mesmo quando começou a ser tratado o Acordo de Paris.

Assinado por 55 economias mundiais – entre as quais Portugal –, o Acordo de Paris foi estabelecido em 2015 e estipula a mitigação, financiamento para mudar o rumo das alterações climáticas e, mais importante, limitar o aumento da temperatura média mundial abaixo dos 2 oC face aos níveis pré-industriais, pretendendo ainda a neutralidade carbónica até 2050. Os dados mostram que a Terra continua a aquecer (como se tem visto nos últimos anos) e que o mundo continua longe do objetivo a que se propôs.

O mesmo estudo evidencia que, entre 1992 e 2013, ao longo de 21 anos, o aumento das temperaturas tenha custado um total de 16 biliões de dólares aos países. Este valor foi obtido combinando os custos da saúde humana, a produtividade e a produção agrícola.
Outros dados mostram o peso económico que o aumento global das temperaturas tem para as economias. Os estudos indicam que os países desenvolvidos, aqueles que mais produzem emissões poluentes, perdem 1,5% de PIB per capita devido às repentinas vagas de calor, enquanto os países em desenvolvimento, que menos produzem emissões, são os mais afetados, perdendo 6,7% de PIB per capita.

“Temos uma situação em que aqueles que causam o aquecimento global e as mudanças de calor extremo têm mais recursos para serem resilientes a essas mudanças e, em alguns casos raros, poderiam beneficiar com isso”, indica o estudo da universidade norte-americana.

Só nos Estados Unidos, estima-se que o tempo extremamente quente tenha um custo anual de 100 mil milhões de dólares. Este valor, mais uma vez, é calculado tendo em conta o sistema de saúde, infraestruturas e mesmo transportes, acrescendo-se o combate aos incêndios, um problema que tem assolado o estado da Califórnia nos últimos anos.

Já na Europa, as temperaturas extremas custaram, na última década, 145 biliões de euros, o que equivale a 14,5 mil milhões por cada ano, e mais de 487 biliões de euros entre 1980 e 2020. França foi o país europeu mais fustigado por perdas económicas resultantes do clima, tendo perdido 4,2 mil milhões de euros em 2020, enquanto a Bulgária perdeu “apenas” 5 milhões. As perdas económicas associadas ao clima ascenderam a 88 milhões de euros em Portugal no início da presente década, situando-se o país a meio da tabela europeia.

Mas se há quem pense que as perdas são ligeiras pode desenganar-se, porque só tendem a aumentar. As vagas de calor podem afetar, segundo o economista Benjamin F. Jones, citado pelo Indian Times, o crescimento económico de um país.

“O crescimento económico pode cair 1 a 2% devido às elevadas temperaturas. Embora pareça pouco, há diferenças entre crescer 6 ou 5%. Esta queda no valor pode, muitas vezes, significar a diferença entre o crescimento e a estagnação”, disse o economista.
E nem tudo volta ao normal. Benjamin Jones sustenta que, mesmo que as temperaturas estabilizem no ano seguinte, “o PIB per capita não regressa ao normal”.

E onde é que o clima afeta os preços? Esta é a resposta mais fácil, uma vez que o calor (à semelhança da chuva forte ou do granizo) influencia as colheitas.

Basta ver o exemplo da Índia. Cheias, deslizamentos de terras e calor anormal levaram o preço do tomate a subir mais de 400% em poucos meses. O preço de comércio deste fruto tinha-se fixado em 0,02 euros (duas rupias) há poucos meses, tendo subido posteriormente para 0,44 euros (40 rupias) o quilo.

Com as alterações ambientais, o tomate ficou a custar 1,76 euros (mais de 160 rupias) para os consumidores e pouco menos para os agricultores, que também viram a sua colheita ser prejudicada.

Os preços no país mais populoso do mundo subiram tanto que um quilo de tomate custa mais que um litro de combustível.
E não se adivinha muita esperança para os restantes países.

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