O cérebro é o órgão mais complexo do ser humano e gera sempre grande fascínio, tanto pelo que já se descobriu, como pelo que ainda não se sabe. Daí que não é surpreendente que professores, pais, formuladores de políticas educativas e cientistas sejam atraídos pela pergunta: como é que o cérebro aprende?

No entanto, esta discussão da ponte necessária entre as neurociências e a educação que, nos finais dos anos 90, foi vista como demasiado distante, continua a não estar assim tão próxima. Isto deve-se às particularidades na investigação, nos diferentes domínios de análise e na dificuldade de transferência entre o que se estuda em laboratório e o contexto real, especialmente, o contexto escolar.

Os ensaios randomizados (RCT – randomised control trial) são considerados ouro quando se trata de testar a eficácia de intervenções. Nesta tipologia de pesquisa, metade dos participantes é designado aleatoriamente a um grupo experimental (como um programa de treino de capacidades matemáticas) e a outra metade é designada a um grupo de controlo (não recebe esse treino). Este método permitirá testar a eficácia do treino, na medida em que podemos observar melhorias nos indicadores de desempenho matemático no grupo experimental em comparação com o grupo controlo.

Estamos, assim, a identificar ganhos que vão para além dos aumentos normais no desempenho ao longo do ano letivo. O problema é que aplicar esta metodologia em contexto escolar não tem sido fácil, o que na visão científica torna particularmente desafiador descobrir o que realmente pode funcionar na sala de aula. A pesquisa no laboratório de forma isolada pode levar a ideias para a educação, mas, se não testarmos na sala de aula contra um grupo de controlo, nunca saberemos o quão sólidas elas realmente são.

A forma como a investigação é conduzida nas escolas tem de sofrer uma atualização. Por exemplo, os dados de hetero-relato (i.e., dados recolhidos através de terceiros como os professores e os pais) não são para ignorar, mas também não são suficientes para chegarmos a conclusões robustas.

A combinação entre métodos mistos (qualitativos e quantitativos), medidas diretas (aplicadas ao próprio para aferir desempenho), tamanhos de amostra representativos e estudos longitudinais escasseiam no contexto escolar português. Como podem os professores e os investigadores entender-se mais e melhor? Qual o papel da genética na educação? Como podem os professores ser apoiados para realizar as suas próprias pesquisas? Ainda há muitos debates válidos a serem feitos.

Os perigos da desinformação sobre o cérebro

Outra barreira entre as neurociências e a educação está na proliferação de desinformação. A extrapolação ou a má interpretação de dados bem como as teorias não comprovadas levaram à disseminação de equívocos sobre como o cérebro funciona e muitos deles estão presentes nas escolas há vários anos. A maioria dos estudos que tem engrossado a literatura sobre os neuromitos na educação destacam como os professores apresentam fragilidades na deteção de crenças e de factos.

Portugal, há mais de dez anos, foi dos primeiros a estudar a presença de mitos relacionados com o cérebro junto dos professores. O mito dos estilos de aprendizagem preferenciais é um dos mais difundidos. A ideia de que oferecer instrução orientada a um estilo de aprendizagem (seja visual, verbal ou cinestésica), não tem sido associado a resultados de aprendizagem medidos objetivamente. E isto gera, naturalmente, muita confusão entre professores, na medida em que é grande a propaganda de formações a evocar potencialidades neste modelo (ainda que, até à data, não se apresentem dados com validade científica).

O que está a acontecer é que os professores gastam recursos e tempo combinando as aulas com o que se assume ser um estilo de aprender. Por sua vez, os alunos presumem que poderão ter insucesso por outras vias que não as suas ditas preferenciais. Quando se procurou verificar qual a presença do atual conhecimento neurocientífico nas unidades curriculares lecionadas nos cursos de formação inicial de professores portugueses, percebeu-se que uma das razões para o aumento dos mitos nas escolas está também no escasso tratamento destes assuntos junto dos futuros professores.

As convicções intuitivas ou ideológicas referentes à educação têm sido incompatíveis com a ciência e tomar decisões pedagógicas sem uma boa base de fundamentação é sempre um risco e pode tornar-se contraproducente e dispendioso. Os mitos e o conhecimento baseado em evidências, nomeadamente, das ciências cognitivas que já tanto contribuíram, podem coexistir nos kits de ferramentas dos professores porque ambos se originam da necessidade de compreender os processos de aprendizagem e atender às necessidades dos alunos. Mas é essencial empoderar os professores para separar o joio do trigo.

Os desafios da transdisciplinaridade

Se aprender é um processo que envolve vários fatores, a educação tem de reunir necessariamente várias áreas científicas como a genética, neurociências, psicologia e tecnologia. Mesmo com o crescente interesse dos professores sobre o estudo do cérebro, importa esclarecer que as neurociências não são uma panaceia para a educação. Não é para subestimar, mas também não é para sobrevalorizar.

Há muito para a discutir para além do cérebro ainda que se parta dele. Como alinhamos o nosso ensino para o que queremos que os alunos aprendam? Como os ensinamos e como avaliamos para que a aprendizagem se forme num todo consistente? Como em todo o processo de ensino se consideram os princípios cognitivos? E, como formulamos objetivos para que possamos ensinar de forma eficaz e empolgante?

Na abordagem transdisciplinar, que faz um interface entre o estudo do cérebro, da mente e da educação – em que muitos designam de Mente, Cérebro e Educação –, surgem os alertas para a necessidade de atualização dos professores, sobretudo, ampliar a sua visão interdisciplinar e compreensão de como se processa, armazena e recupera informações. Será este o conhecimento que pode informar o desenho e a implementação de práticas educacionais.

A transdisciplinaridade não combina com pensamento único e olha com pluralidade para as práticas de acordo com o resultado da aprendizagem que se pretende obter e dos recursos que a mesma exige. A discussão do papel passivo e ativo de quem está a aprender tem de ser acompanhada sobre qual o conteúdo a aprender. Há momentos em que ouvir uma explicação é determinante para depois tentar operacionalizar, e outros é a começar pela prática e depois documentar que funcionará. Tudo depende do assunto em causa, dos conhecimentos prévios e, especialmente, do objetivo da aprendizagem pré-estabelecido. A intencionalidade, o tempo dispensado para trabalhar o conhecimento e o monitorizar também entram nesta equação.

O mesmo será dizer que o repensar de novas práticas pedagógicas não pode, igualmente, ignorar os operadores cognitivos de quem aprende. A capacidade de atenção ou de memória de trabalho, determinantes para aprender, não é igual em crianças e jovens. Introduzir inovação nas práticas de sala de aula, tendo por base os limites da arquitetura cerebral e cognitiva, sem descurar uma robusta análise do sucesso (ou insucesso) da aplicabilidade, é um caminho para discutirmos os desafios da educação de forma mais integrada.

Joana Rato assina este texto na qualidade de autora do ensaio “Mente, Cérebro e Educação”, editado em 2023 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), no âmbito da parceria entre o Jornal Económico e a FFMS.