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Banca chamada a avaliar ESG das empresas em plena crise de energia

Em julho a “The Economist” escreveu um artigo intitulado: “ESG: The three letters that won’t save the planet” que aponta a política ESG como extremamente complicada que impede as empresas de progredirem nos seus negócios. A simplificação do ESG entrou na agenda.
18 Setembro 2022, 12h00

É quase tão unânime como a Rainha Isabel II a opinião de que é necessária uma nova economia sustentável, tal como a percepção de que a indústria bancária tem um papel fundamental nessa transição pela possibilidade de direcionar recursos para a descarbonização e para financiamentos que considerem as questões ESG no processo de concessão de crédito. Mas essa verdade insofismável tem vindo a ser vista com outros olhos, sobretudo num contexto de crise económica e energética. Pode dizer-se que 2022 foi o ano em que o ESG tremeu.

De repente o processo de transição para uma economia de baixo carbono ficou prejudicado pela escassez do gás russo decorrente do conflito na Ucrânia e sanções à Rússia. Basta ver que, em junho, a Alemanha e Áustria anunciaram que vão retomar a produção elétrica a carvão para reduzir a necessidade de gás russo.

Se é verdade que os bancos estão conscientes que vão ter de começar a avaliar os riscos ambientais dos créditos que concedem às empresas, o que terá impacto nos custos do financiamento desses clientes, também é verdade que eficácia dos critérios ESG (Environmental, Social e Governance), para as empresas começa a ser posta em causa devido à sua complexidade. Recorde-se que se está a tentar alcançar o objetivo de atingir as emissões líquidas zero, o que é um processo muito caro.

Novas regras podem ser esmagadoras
O número de novas regras para as empresas e para os bancos pode ser esmagador. A esse propósito, em julho, a “The Economist” escreveu um artigo, que foi capa, intitulado: “ESG: The three letters that won’t save the planet”.

De acordo com a “The Economist”, a política ESG é extremamente complicada e os líderes empresariais não conseguem progredir nos seus negócios quando são forçados a concentrar-se em demasiadas áreas da ESG. Em vez disso, “devemos concentrar-nos simplesmente nas emissões de carbono”, defendia a revista britânica.

A “The Economist” apresentou a ideia de que a adopção de uma abordagem muito simplificada a um problema complexo pode ser útil para as empresas, numa altura em que se confrontam com uma forte subida dos custos da energia.

Já há ratings para avaliar a sustentabilidade ecológica e social das empresas. O S&P Global Ratings classifica as empresas com base nas boas práticas ambientais, sociais e de governança o que remete para intenção de olhar para as empresas de forma holística, indo além das métricas financeiras tradicionais. Sendo o rating uma medida do custo do financiamento das empresas, e, numa altura em que as empresas veem os custos de produção dispararem, começa a questionar-se se não se deve simplificar os requisitos ESG, sob perigo de porem mais pressão sobre empresas fustigadas com os custos da energia.

Nos últimos anos, o tema ESG e a transição para uma economia de baixo carbono tem entrado na pauta das principais agendas corporativas e ganhado cada vez mais destaque na indústria bancária. É mais ou menos consensual que as instituições bancárias desempenham um papel fundamental no desenvolvimento do financiamento sustentável, sendo este definido como o financiamento que, para além de considerar os aspetos financeiros tradicionais como a rentabilidade, a liquidez e a solidez financeira na avaliação dos projetos de investimentos das empresas, integra também aspetos não financeiros relacionados com os critérios ESG como o risco de transição, o risco físico, as condições de trabalho e as práticas de governance.

Apenas 20% dos bancos inclui risco climático no crédito
O Banco Central Europeu (BCE) realizou este ano “testes de stress climático”, o que foi tido como um exercício de aprendizagem para avaliar a preparação dos bancos para lidar com o risco climático. Em julho chegaram os resultados a esses testes que o BCE realizou a um total de 104 bancos da zona euro que supervisiona.

Os testes de ‘stress climático’ do BCE mostram que os 41 maiores bancos da zona euro enfrentariam inicialmente perdas de crédito e de mercado de 70.000 milhões de euros na transição desordenada para uma economia mais verde. Pelo que o BCE considera que os bancos precisam de concentrar mais atenção no risco climático. Além disso, a maioria dos bancos não inclui o risco climático nos seus modelos de risco de crédito. Apenas 20% têm-no em conta como variável na concessão de crédito.

Os resultados dos testes de stress indicam ainda que quase dois terços das receitas dos bancos provenientes de empresas provêm de setores que emitem muitos gases com efeito de estufa.

O BCE já assumiu que o clima é um risco financeiro na concessão de crédito. “Um banco pode continuar a financiar uma empresa poluidora, mas isso aumenta o seu risco e os rácios de requisitos de capital, o que não será bom para o banco”, tem dito publicamente a economista Sofia Santos, Fundadora da Systemic e Professora do ISEG.

Banqueiros não temem impacto do ESG no crédito
Sobre a tese que as empresas mais poluentes poderão ser afetadas no acesso a financiamento bancário, os CEO dos bancos portugueses não a subscrevem e não acreditam que venham a ser impedidos pelo regulador de financiar clientes com base em critérios ESG. Anteveem antes que serão chamados a apoiar a transição energética dos seus clientes. Mas alertam que “esta transição tem de ser feita com muito bom senso”, defendeu publicamente o CEO do BPI.

“A banca irá ter um papel importante na transição para uma economia mais verde e mais digital, mas não vamos pôr em cima da banca todo o ónus dessa transformação”, disse num recente fórum, João Pedro Oliveira e Costa.

Os novos desafios impostos pelos critérios da ESG “trazem uma pressão acrescida sobre a banca”, defendeu o CEO do BPI. Até porque as empresas clientes, que são muitas vezes PME, “não vão conseguir cumprir os requisitos internacionais de produção ‘verde’ e os bancos correm o risco de serem penalizados no capital por financiarem empresas mais poluentes”, o que as vai obrigar a subir os spreads do crédito das empresas mais carbónicas.

Miguel Maya, CEO do BCP, numa das muitas conferências sobre o tema, alertou para o facto de os incentivos inerentes à avaliação dos requisitos ESG, poderem condicionar a correta alocação de recursos. “Inicialmente não podíamos financiar os setores mais poluentes, mas hoje já não é esse o tema do regulador”, lembrou o CEO do BCP que disse que é preciso tratar bem os riscos de transição e os riscos físicos.

O CEO do BCP é também apologista “dos incentivos fiscais para incentivar a transição” das empresas para a economia verde.

“Há quantas décadas estamos a falar de uma contragarantia do Estado para um seguro que proteja os riscos sísmicos? Segurar os riscos físicos é ainda mais importante a nível europeu”, defendeu.

“Se calhar o que é hoje brown vale a pena apoiar para se tornar green e o que é hoje green amanhã pode ser brown”, tem dito Pedro Castro e Almeida, CEO do Santander Totta. “O foco tem de estar no cliente” sendo o papel do banco ajudar os clientes na transição climática e transição digital, defende.

Pedro Castro e Almeida admitiu na apresentação de resultados que é preciso saber o que vai o BCE estipular em termos de consumo de capital, ou seja, quais são os incentivos que vão ser criados aos bancos para financiarem empresas mais verdes, podendo mesmo haver ponderadores de capital mais altos para empréstimos a empresas com mais carbono no processo produtivo. O caminho para uma sociedade mais inclusiva e sustentável, “também se faz através do empoderamento financeiro, do fomento à educação, empreendedorismo e emprego”, lembra o Santander .

Ciente da importância do financiamento sustentável e inclusivo, vertido na sua Estratégia de Sustentabilidade para o período de 2021-2024, a Caixa Geral de Depósitos revelou que está a apoiar as empresas a fazerem a transição para uma economia de baixo carbono através de modelos de negócio mais resilientes a riscos climáticos, ambientais e sociais, em prol de um desenvolvimento mais sustentável. A CGD foi o 1º banco em Portugal com um Modelo de Rating ESG para os seus clientes segmento empresa de todos os setores de atividade, cujos resultados impactam as estratégias de financiamento sustentável aos clientes, apoiando-os na transição para uma economia de baixo de carbono e inclusiva.

Em maio, o Novobanco anunciou ter como meta financiar 600 milhões de euros de dívida “verde” até 2024. A meta faz parte do Plano Estratégico para 2024 e o banco já tomou firme duas emissões de dívida da Sonae SGPS e Modelo Continente indexadas a indicadores ESG.
A Caixa também tem feito emissões de dívida sustentável. O BPI, por sua vez, quer quatro mil milhões de euros em negócio sustentável até 2024, sendo que destes, 2 mil milhões são financiamento para a transição sustentável e 2 mil milhões estão na área da gestão de ativos. A meta faz parte do Plano Diretor de Sustentabilidade 2022-2024 que traduz os compromissos ESG do banco até 2024.

Nos bancos mais pequenos o tema também está na agenda. Em junho o Crédito Agrícola lançou o selo sustentável para uma melhor identificação das iniciativas de carácter sustentável.

CERS alertou para riscos de transição desordenada
Em julho o BCE alertou que um aumento do preço do carbono pode levar à falência de empresas em cadeia. Num relatório em conjunto com o Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS), o BCE defendeu que, “num cenário de transição desordenada, em que há um aumento imediato e substancial dos preços do carbono, as perdas de mercado para as seguradoras e fundos de investimento, respetivamente, poderiam atingir 3% e 25% de ativos submetidos a testes de stress a curto prazo”. O BCE defende que eventos climáticos graves põem em risco a estabilidade financeira e que uma transição ordenada para emissões zero em 2025 poderia suavizar o impacto e aliviar os efeitos nas empresas e bancos, reduzindo a probabilidade de falências das empresas entre 13% e 20% em 2050, em comparação com as atuais políticas climáticas. Os bancos também teriam menos perdas com empréstimos a essas empresas, nessa tese.

Para a Comissão Europeia, a taxonomia ambiental de uma atividade sustentável implica que tenha de ter critérios mínimos ambientais, sociais e de governação. Existe uma taxonomia da UE e as empresas usam-na para reportar a sustentabilidade das suas atividades de acordo com a Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade das Empresas (CSRD). As gestoras de ativos utilizam esta informação para informar sobre a sustentabilidade dos seus produtos de acordo com o Regulamento de Divulgação de Serviços Financeiros.

No entanto, a taxonomia da UE foi adiada várias vezes e por várias razões. Entre essas razões inclui-se o intenso debate entre os Estados-Membros sobre se a energia nuclear e o gás são ou não sustentáveis. A apresentação de informação por parte das empresas só será obrigatória em 2023 e os detalhes técnicos sobre como apresentar os produtos de sustentabilidade das gestoras de ativos não serão aplicados até lá.

Entretanto outro tema surge em paralelo com a sustentabilidade, a necessidade de salvar o crescimento económico. Esta quarta-feira, a presidente da Comissão Europeia, no seu discurso sobre o “Estado da União” realçou que é preciso “financiar a transição para uma economia digital e de emissões zero”, mas também “assegurar a sustentabilidade orçamental”.

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