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“Banca tem de acompanhar a inovação para ser competitiva”

O BNI Europa fez uma parceria com uma fintech belga para dinamizar a tesouraria das PMEs através da compra de faturas a desconto.
  • Foto cedida
29 Novembro 2017, 07h27

Pedro Pinto Coelho, CEO do BNI Europa, em entrevista com a ajuda de Xavier Corman, co-fundador e CEO da Edebex, explica como através da compra de faturas solucionam os problemas de tesouraria das PMEs. A Edebex “por um lado, permite que as PMEs com problemas de fluxo de caixa vendam as suas faturas na plataforma on-line obtendo os fundos que precisam rapidamente, sem ter que esperar que as faturas sejam pagas. Por outro lado, a Edebex oferece aos investidores a oportunidade de comprar essas faturas e assim “terem acesso a um investimento de risco muito baixo”.

Pedro Pinto Coelho, que é também o presidente da AFIP – Associação FinTech em Portugal, fala de como a parceria com as fintechs está a ajudar o banco a crescer a carteira de crédito. O gestor alerta ainda para a necessidade da regulação bancária acompanhar a inovação tecnológica que já se está a afirmar em vários países europeus para que os bancos portugueses atuem num level playing field com os congéneres europeus.

O que é esta parceria com a Edebex? Que tipo de serviço é este?
A parceria tem a finalidade de disponibilização imediata de uma plataforma online de compra e venda de faturas junto das empresas portuguesas com necessidades de tesouraria, oferecendo uma alternativa inovadora ao crédito financeiro e ao factoring tradicional. As faturas inseridas na plataforma Edebex são vendidas a investidores libertando as empresas utilizadoras do risco de não pagamento.

Essa venda é feita a desconto, abaixo do valor nominal da dívida?
Exatamente. É uma venda de um ativo, não é a venda de um crédito. A compra da fatura é feita com um desconto. A dimensão do desconto depende da maturidade (prazo de pagamento) e também do risco do devedor. O que é verdadeiramente inovador é que através da Edebex, é possível financiar as PMEs sem ser necessário fazer a análise financeira da empresa que precisa do dinheiro. Só é feita a análise da fatura e do devedor (pela Edebex). Isto revoluciona a maneira de as PME se financiarem, porque um dos obstáculos das empresas de pequena dimensão é a dificuldade de acesso ao crédito bancário tradicional, por causa da análise financeira que estes têm de fazer à empresa. Ao contrário dos bancos tradicionais, esta parceria com a Edebex não pede garantias ou avais aos sócios das PME. Para além de não analisar as contas também não há garantias. No factoring, para além de comprarem todas as facturas, é pedido o aval dos sócios/acionista e para estes darem o aval também têm ser avaliados em termos de risco de crédito. Este serviço já se faz com sucesso na Bélgica, em França e agora vai ser feito em Portugal.

Porque é que a Edebex precisa do BNI Europa para fazer isso em Portugal?
A Edebex está sediada na Bélgica, não tem balcões, é puro online.
O BNI Europa tem uma relação histórica com a Edebex, fomos dos primeiros investidores institucionais a apoiar a Edebex neste marketplace. Nós já compramos recebíveis (faturas) na Bélgica e em França através da Edebex. Achamos que este risco de crédito é interessante. O BNI quer diversificar as fontes de originação de crédito. Queremos ter mais crédito no balanço.
O papel do BNI Europa aqui é apoiar na originação e na sensibilização das empresas para este produto. Isto pode ser feito online através do website que nós temos em conjunto. O BNI está na cadeia de valor em dois pontos, fazemos a originação e ajudamos a sensibilizar o cliente, depois a Edebex faz a análise de risco de crédito desse cliente, faz o serviço da dívida, acompanha o crédito até ele ser pago. Nós somos o investidor final dessa dívida, somos nós que assumimos o risco do cliente.

BNI Europa é que financia a compra das facturas?
Sim, o BNI é que empresta o dinheiro. A Edebex funciona numa lógica de marketplace. É uma plataforma que acaba por juntar as entidades que precisam de liquidez de tesouraria com os investidores. No caso da França e da Bélgica, a Edebex tem vários investidores, entre eles o BNI Europa. Cá temos este acordo de comprar as facturas originadas em Portugal. Somos nós que compramos as faturas às PMEs. A Edebex por sua vez garante o pagamento do devedor e ganha uma comissão. O banco ganha pelo investimento que está a fazer, uma vez que está a investir o seu capital.

Que tipo de PME?
Tipicamente são pequenas empresas com grandes clientes. Empresas com 10, 20, 50 empregados mas que prestam serviços a grandes empresas que pagam a prazos longos (por exemplo a 60 dias). Essas PMEs têm normalmente problemas de tesouraria e é aí que nós aparecemos. O que nós queremos é ter boas faturas de empresas de bom risco. Muitas vezes estas PME não têm outra forma de se financiarem, porque não têm ativos e por isso não conseguem crédito. O que passam a poder fazer é pegar nas faturas emitidas para grandes clientes, como EDP, bancos, telecomunicações, entre outras, e descontá-las na plataforma da Edebex. O que nós fazemos é antecipar essa receita sem estar a pedir garantias a essa pequena empresa.

Quais são as empresas que não qualificam?
Um exemplo de um setor que não qualifica é um restaurante. É uma PME mas tem clientes de retalho particulares. Nós não compramos faturas de clientes particulares. Também não compramos facturas de empresas de risco elevado. E também não é possível comprar faturas do Estado ou setor público, por exemplo a uma Câmara. A forma como está montado o modelo de antecipação não permite trabalhar com o setor público.

E faturas de exportação?
Aceitamos. As empresas também têm muita dificuldade em financiar essas faturas internacionais, porque são em diferentes países, em diferentes jurisdições.A Edebex consegue ajudar aí, até porque já está em diferentes países. Mas também porque cada fatura que é comprada está coberta por um seguro feito pelo líder mundial dos seguros de crédito que é a Euler Hermes (acionista da Cosec).

A Cosec está nalguma maneira metida nesta parceria?
Sim, na medida em que trabalha connosco na garantia do risco de crédito da fatura. Para qualquer fatura, não só para as faturas de exportações. Nós só trabalhamos com faturas cujo risco é aceite pela Euler Hermes/Cosec. Essa é aliás uma das razões porque não aceitamos faturas do setor público, porque a seguradora não segura sector público.

E se exportação for para um país exótico, aceitam comprar essa fatura?
Isso depende mais uma vez do conforto que a seguradora possa dar. Se for uma Total em Angola, provavelmente sim, se for uma empresa desconhecida que a seguradora não tem risco avaliado, provavelmente vamos ter de recusar. O risco está refletido no desconto da fatura.

Já têm muitos clientes neste serviço?
Neste momento iniciamos uma primeira fase que nós chamamos de soft launch. Já temos o site no ar e já fizemos alguns convites a determinadas empresas, e estamos fazer alguma divulgação para começar a testar este produto financeiro em Portugal. Já temos alguns clientes pontuais, mas acredito que agora, depois da divulgação do produto, é que vamos ter um maior volume. A plataforma Edebex foi lançada em setembro de 2014, mas em Portugal só estão só há dois meses.

Os empresários em nome individual qualificam para esta plataforma?
Sim, se tiverem registados fiscalmente como tal.

Quais são as metas que o BNI Europa pretende alcançar com este serviço?
Não há um meta especifica. Mas, posso dizer que uma vez testado o conceito acredito que teremos perfeitamente condições de, numa fase já avançada de conhecimento pelas empresas, de um volume de faturas de 100 a 150 milhões de euros por ano a ser descontado na plataforma. Acreditamos que esta ferramenta pode ajudar muito as empresas que têm problemas de tesouraria. O nível de satisfação dos poucos clientes portugueses que temos é muito alto. Acreditamos que vamos ajudar Portugal em termos económicos com esta solução de financiamento à economia.

O que é o BNI Europa?
É um banco que se quer relacionar com os clientes de forma digital. É um banco fundado em 2014, e somos uma subsidiária do BNI em Angola. Este banco tem vindo a diversificar a sua atividade para lá do papel de banco que apoia as relações Portugal/Angola que o definiu inicialmente. A diversificação é para segmentos que são basicamente nichos de mercado.

Onde é captam o financiamento? Têm depósitos?
Captamos depósitos junto de clientes alemães, holandeses e austríacos via online. Neste momento estamos a prepararmo-nos para captar também no Reino Unido. Em junho o nosso balanço tinha 550 milhões de euros e tem vindo a crescer desde 2015. Devemos estar com 150 milhões de carteira de crédito e em depósitos devemos estar com 320 milhões de euros. Ainda estamos a crescer em crédito. O banco já é rentável desde fevereiro deste ano, com um ROE de 15%. Os resultados no fim do ano vão ser francamente positivos. O rácio de CET1 é de 14%.

O BNI está ligado ao anterior presidente de Angola? Houve mudanças com o novo presidente?
Não temos nenhum acionista ligado ao anterior presidente de Angola. Não houve nenhuma alteração.

Qual é o papel que deve ter o regulador bancário na afirmação das fintechs?
Acho que Portugal deve no mínimo acompanhar a legislação dos outros países, e não vir à posteriori aplicar essa regulamentação. Um exemplo claro disso foi a entrada de um banco online em Portugal chamado N26, um banco alemão, que pediu o passaporte europeu para vários países na Europa o que lhe permitiu aceder a clientes portugueses que abriram conta nesse banco de forma remota. Algo que nós já tínhamos sensibilizado o regulador para tal, mas o regulador não tinha mostrado grande abertura. Depois acabou por autorizar mais tarde devido à pressão vinda de fora. Esta pressão vai ser contínua e acho que agora o Banco de Portugal percebe que se não acompanhar a inovação tecnológica e a abertura que outros reguladores lá fora estão a ter para abraçar esta evolução, pode criar-se um desequilibro desfavorável à competitividade do mercado bancário português. É ainda preciso não atrofiar as fintech com o ambiente regulatório. Não podemos esquecer que os nosso vizinhos espanhóis são realmente muito agressivos nesta área, quer o BBVA quer o Santander estão muito avançados na inovação tecnológica.

 

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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