“O contrário da justiça é a caridade”, Vergílio Ferreira

(Saíram os rankings das escolas e, sem surpresas, as privadas alcançaram níveis cimeiros, sendo que as públicas melhor colocadas estão localizadas em zonas privilegiadas das cidades. Sei do que falo. Andei no Filipa de Lencastre, escola de que me orgulho, e não tenho memória de grandes dificuldades financeiras entre os meus colegas.

Todos sabemos que, de barriga cheia e sem grandes problemas em casa, a tendência para nos concentrarmos é maior. Por isso, ao contrário dos que defendem que os ditos rankings devem ser pura e simplesmente ignorados, defendo que a sua grande utilidade é a que nunca foi usada: permitir verificar a realidade social atrás dos mesmos e procurar corrigir assimetrias. Não nas notas mas nas condições sociais dos que as frequentam. Até esse exercício ser feito, a dita listagem anual é um mero exercício de vaidades para cujo peditório não darei.)

Em muitos casos (que não o meu) com um arco-íris como pano de fundo, enfrentámos a pandemia com a promessa de que o mundo seria melhor doravante, uns confinados em casa e outros apenas com licença para saírem para trabalhar. Enquanto se enfrentava um perigo desconhecido e invisível, a mensagem que passámos era a de que estes tempos nos mudariam para melhor e o mundo, seja lá o que isso for, sairia mais generoso.

Assim que nos começou a ser permitido sair, o que se verificou foi exactamente o oposto e os exemplos multiplicam-se.

Desde os funcionários da Amazon que se vêem obrigados a fazer necessidades em copos porque não lhes permitem ir à casa-de-banho até às filas de candidatos a desempregados na TAP, passando por reacções mais ou menos ridículas mas claramente homofóbicas ao que terá ocorrido no Festival da Eurovisão ou pela quase não falada quebra dos postos de trabalho mais frágeis, os tempos actuais têm demonstrado que a natureza humana não muda, apenas se refina.

Não obstante as alterações impostas pela dita pandemia, o mundo do trabalho mantém-se o campo de combate onde, para maximizar lucros ou atenuar invocadas perdas, o sacrifício é pedido sempre aos mesmos.

Ao contrário de tantos, não peço caridade para os que mais necessitam de ajuda. Peço justiça. A justiça de se reconhecer que, a final, o que está sempre em causa são vidas de pessoas e que cada uma é mais importante do que a distribuição de dividendos a accionistas que, daqui a uns anos, serão chamados a uma qualquer CPI e não se vão recordar de nada.

Eles esquecem-se. Contudo, nós não devemos esquecer. Por cada despedido há uma família que fica em dificuldades enquanto uns senhores engordam algures, uns a cozinhar no Brasil, outros a gerir negócios familiares de empresas de que se não lembram.

Justiça e para todos, uma vez que, ao contrário do que se apregoou, não ficou tudo bem.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.