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O português que é o rei da fotografia de Bar Mitzvá em Montreal

O português “rei da fotografia de Bar Mitzvá”, em Montreal, Canadá, que o “The New York Times” pôs recentemente nas bocas do mundo, já anda no coração da comunidade judaica daquela cidade há um bom par de anos.
  • Montreal Gazette
8 Janeiro 2022, 22h00

Era uma vez um imigrante católico português, empregado de limpeza numa sinanoga em Montreal, no Canadá. Braulio Rocha, madeirense de 45 anos radicado nesta cidade, não esquece que levava uma vida sem ambição antes de trocar a terra natal pelo Canadá, onde aterrou em 2013 com apenas 40 euros no bolso.

Entretanto, o acaso virou-lhe a vida do avesso. Ou melhor, talvez Deus lhe tenha dado a oportunidade de ver o mundo por outra lente. A de uma câmara fotográfica. Quando menos esperava. E quando ninguém esperava.

Um dia, nas habituais lidas de limpeza da sinagoga Shaar Hashomayim, onde trabalhava,  uma voz feminina rasgou o silêncio e arrancou-o da rotina e da invisibilidade costumeiras. Uma avó em pânico não sabia o que fazer. O fotógrafo designado para um Brit milá – cerimónia de circuncisão masculina — tinha tido um acidente de carro ou um furo e não aparecera.

Braulio ofereceu-se para ajudar. Tinha uma Canon ‘velhinha’ no carro e podia fotografar a cerimónia. Os olhares desconfiados foram a primeira reação. A sinagoga era frequentada por famílias ricas e a sua indumentária não era a mais abonatória, um singelo uniforme de contínuo, entenda-se. Mas chegou-se a um entendimento. Sim à ajuda. De ressalvar, contudo que as fotografias seriam depois enviadas a título gratuito pelo ‘improvisado’ fotógrafo. E assim foi.

A satisfação de quem as recebeu ditou que, afinal, o trabalho fosse recompensado monetariamente. E assim o acaso lhe mudou a vida.

De fotógrafo acidental a ‘rei da fotografia de Bar Mitzvá’

O ilustre desconhecido e fotógrafo acidental tornou-se fotógrafo oficial de cerimónias judaicas em Montreal. Hoje em dia, a sua fama é tal entre a comunidade judaica da cidade que passou a ser conhecido como “o rei da fotografia de Bar Mitzvá”, utilizada como título na recente reportagem do “The New York Times” sobre a sua vida e percurso.

A procura é tal que chega a fazer cinco cerimónias de Bar e Bat mitzvá por semana, e já tem marcações para 2023. Mais recentemente, expandiu o negócio de fotografia, o Rochastudio, fundado em 2015, para os casamentos hassídicos. E deixou o emprego nas limpezas em 2019. Mas, para aqui chegar, guiou-se pela vontade de Deus e trabalhou arduamente. Chegou a dormir na sinagoga para, depois de grandes eventos, não chegar atrasado ao trabalho.

Apostou na fotografia como se de uma epifania se tratasse. Pediu dinheiro emprestado a um familiar, quatro mil dólares canadianos (cerca de 2.800 euros) e comprou uma câmara, uma lente e duas luzes de estúdio. A sua mulher, Sónia Ganança, designer, filha de emigrantes madeirenses no Canadá, ficou desempregada e assumiu a edição das fotografias. Foi ela quem o desafiou a trocar a Madeira pelo Canadá. E foi assim que Braulio deixou para trás uma sociedade branca, católica, para se integrar numa sociedade multicultural.

“Antes disso, nunca sequer tinha visto um judeu”, declarou ao “The New York Times”. A filhas, de dois anos, anda num infantário judeu. “Sinto uma ligação mais forte com Deus numa sinagoga do que numa igreja”, confessa. E conclui que se sente abençoado por tudo o que lhe aconteceu e que a sua ida para o Canadá foi, seguramente, “vontade de Deus”.

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