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Cada vez mais homens russos procuram evitar o serviço militar obrigatório

Quem o diz são advogados e grupos de direitos humanos. Em causa estão jovens que não apoiam a guerra ou não querem arriscar a mobilização da sociedade por não terem experiência militar e recearem um conflito real.
8 Julho 2022, 15h47

Cada vez mais homens russos procuram evitar o serviço militar obrigatório dos 18 aos 27 anos, segundo advogados e defensores de direitos, correndo o risco de enfrentar multas ou até dois anos de prisão. Alguns jovens estão a abandonar a Rússia enquanto outros ignoraram as suas convocações na esperança de que as autoridades não os persigam, ou procuram conselhos jurídicos sobre como obter isenções ou vias alternativas, de acordo com a “Reuters”.

Danila Davydov, um artista digital de 22 anos que morava em São Petersburgo, disse que deixou a Rússia semanas depois de o Kremlin enviar tropas para a Ucrânia porque não queria lutar numa guerra que não apoia e temia o país pressionasse jovens como ele para servir nas forças armadas.

“Eu não queria ir para a guerra ou para a prisão, então decidi sair”, disse a partir do Cazaquistão, onde disse estar a trabalhar atualmente. Davydov conseguiu escapar ao serviço militar e deixar o país porque tinha uma oferta de emprego no exterior. Ele quer voltar para casa um dia, assegurou, mas lamenta que não seja tão cedo: “Eu amo a Rússia e sinto muita falta dela”.

Fyodor Strelin, um jovem de 27 anos de São Petersburgo, disse que protestou contra a guerra logo após a invasão, mas decidiu deixar a Rússia no final de fevereiro.

Agora em Tbilisi, capital da Geórgia, disse que já tinha evitado o recrutamento graças a uma isenção, o ano passado, devido à miopia, mas optou por deixar a Rússia com receio de uma mobilização geral. “Sinto falta da minha casa e, por enquanto, sinto que perdi o meu lugar na vida”, confessou.

Kirill, um jovem de 26 anos do sul da Rússia que trabalha em tecnologia, disse que recebeu uma convocação de recrutamento em abril, seguida de um telefonema em maio solicitando a ida a um médico, mas não respondeu porque não apoia a guerra na Ucrânia.

Essa posição causou tensão com alguns familiares e amigos que apoiam o conflito e acreditam que todos devem fazer o seu serviço, disse Kirill, que pediu que seu sobrenome não fosse usado. “As pessoas na Ucrânia são como irmãos. Conheço muita gente no país e não posso apoiar essas ações”, acrescentou.

Em junho, a polícia foi à sua casa na sua ausência e perguntou à mãe por que estava a evitar o serviço militar, de acordo com o próprio. A “Reuters” ressalva que não conseguiu corroborar o relato.

Um grupo que oferece aconselhamento jurídico gratuito chamado Release disse que o número de membros de um grupo público (que administra) do Telegram para aqueles que procuram evitar o recrutamento aumentou para mais de mil pessoas, face a cerca de 200 antes do conflito.

Outro grupo, chamado Citizen. Army. Law (Cidadão. Exército. Lei., em português), que se foca no aconselhamento a pessoas que procuram tipos alternativos de serviço militar, como o trabalho em organizações estatais, disse que viu um aumento de dez vezes no número de pessoas perguntando sobre o serviço alternativo para mais de 400 este ano, em comparação com cerca de 40 no mesmo período do ano passado. “Muitas pessoas estão com medo. Eles não querem entrar em um exército que está lutando”, disse Sergei Krivenko, que lidera a organização.

O advogado Denis Koksharov, presidente da associação jurídica Prizyvnik, disse que no início do conflito ele viu um aumento de cerca de 50% no número de pessoas que procuram aconselhamento sobre como evitar o serviço militar, sem especificar números. Ele acrescentou que o número de pedidos diminuiu e, mais recentemente, aumentou o número de voluntários para exército, segundo o próprio, porque as pessoas acostumaram-se à situação atual e houve um aumento de pessoas “patriotas”.

A 24 de fevereiro, a Rússia iniciou a invasão da Ucrânia. Após a retirada das tropas russas de Kyiv, a guerra focou-se na luta por controlo do território a leste. O presidente russo, Vladimir Putin, está a apostar num exército profissional que o Ocidente diz ter sofrido pelo menos 15.000 baixas, mas Moscovo não confirma. Se o exército não conseguir garantir soldados suficientes, as opções de passam pelo uso de recrutas, a mobilização da sociedade russa ou a redução das suas ambições.

Embora Putin tenha dito repetidamente que os recrutas não deveriam lutar no conflito na Ucrânia, o Ministério da Defesa no início de março disse que 600 já o fizeram, causando a punição de cerca de uma dúzia de oficiais.

Por sua vez, a Ucrânia impôs a lei marcial, segundo a qual homens entre os 18 e os 60 anos estão proibidos de deixar o país. Kyiv diz que lutará até o fim contra o que considera uma jogada imperial de Moscovo.

As forças armadas russas estão entre as maiores do mundo: combinadas, totalizam cerca de 900.000, de acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS). A Rússia convoca cerca de 260.000 mil homens anualmente numa convocação semestral. Evitar o recrutamento é uma prática bem estabelecida, inclusive por vias legítimas, como adiar o serviço estudando e reivindicando isenções médicas, mas essa prática tem aumentado nos últimos meses, segundo os especialistas.

Há sinais de que a Rússia está à procura de mais homens para lutar. Em maio, Putin assinou uma lei que removeu o limite máximo de 40 anos para pessoas que desejam se alistar nas forças armadas russas, numa tentativa de atrair especialistas em áreas como equipamentos militares avançados e engenharia.

Um russo de 30 anos, que pediu para não ser identificado, disse que foi convocado por telefone para se apresentar a um escritório militar sob o pretexto de esclarecer alguns detalhes pessoais. Lá, foi questionado por um homem não identificado em roupas militares sobre o seu serviço militar e ofereceu 300.000 rublos (cerca de 4 mil e setecentos euros) por mês para lutar na Ucrânia, segundo o próprio, que disse ter recusado a oferta porque não é um soldado profissional e porque não disparou desde que completou o seu serviço. “Para que servem 300.000 rublos para um morto?” questionou.

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