Já é o segundo ano que faço uma “reedição” do artigo “Caro é o novo normal”, escrito pela primeira vez em abril de 2019, mas não é por isso que, da minha perspetiva, a mensagem deixa de ser relevante. Principalmente se tivermos em conta o que se passou desde que entrámos na pandemia.

Nas últimas “edições” deste artigo, fiz menção ao contexto de taxas de juro extremamente baixas, que se deveria manter durante vários anos, e que era o principal fator que deveria continuar a sustentar os preços de ativos financeiros relativamente altos (face aquilo a que estamos habituados de uma perspetiva história mais alargada). Aquilo que a maior parte dos investidores via como sendo caro, era na verdade um novo normal.

Desde então, que muito se passou, com a pandemia, o crash que causou, a épica reação dos governos e bancos centrais, e a consequente rápida recuperação (seja da economia seja dos mercados financeiros).

Desde o final de janeiro de 2020, apesar de tudo por que passámos e de o mundo ainda estar longe de ultrapassar o desafio da pandemia, o MSCI World Index valorizou mais de 15%. O que deixa quem pretende investir novamente numa situação “difícil”, em que quase tudo parece caro. Em que dá vertigens olhar para um gráfico dos índices bolsistas. Em que parece surreal ter taxas de juro tão perto de zero, quando se registou inflação de 5% nos EUA. Mas a verdade é que os pressupostos que sustentavam a tese do “caro é o novo normal” não só se mantêm inalterados, como até foram exacerbados pela quantidade de estímulos que estão a ser implementados.

Por um lado, e apesar da rápida recuperação económica, continua-se a perspetivar que as taxas de juro se mantenham relativamente baixas durante vários anos. Uma consequência dos níveis de endividamento ainda mais altos a que os soberanos tiveram que chegar para combater a crise.

Por outro, uma grande parte dos estímulos implementados fluiu diretamente para a economia real, para o bolso das empresas e dos consumidores, ao contrário do que havia acontecido na resposta à crise financeira de 2008 (em que a maior parte dos estímulos foram usados para facilitar a desalavancagem do setor financeiro). O que significa que a economia global está inundada de liquidez, de tal ordem que alguns bancos já começaram a rejeitar depósitos, devido à dificuldade que estão a ter em gerir a quantidade exorbitante de liquidez que têm atualmente.

Ou seja, por cima de um ambiente de taxas de juro perto de zero, onde já é propício a que os preços dos ativos se tornem caros, a economia global foi literalmente inundada com liquidez, através da impressão de nova moeda. Uma parte dessa liquidez será com certeza canalizada para consumo e investimento, mas é inevitável que uma grande fatia seja canalizada para ativos financeiros. O que levanta ainda mais os limites até onde as avaliações dos ativos financeiros podem chegar.

Mas nem tudo é cor de rosa para os mercados financeiros, por baixas que se mantenham as taxas de juro, ou por muita liquidez que haja, hoje o sentimento geral dos investidores parece diferente face a janeiro de 2020. Na altura, as subidas da bolsa eram contrastadas com retóricas céticas por parte dos investidores e analistas. Desta vez não tanto. Desta vez domina até algum otimismo relativamente aos preços dos ativos e à recuperação da economia. O que normalmente, a curto prazo, não é um bom presságio para a evolução dos preços.