Fazendo fé nos principais indicadores referentes à evolução das taxas de juro, não se prevê uma significativa inversão da atual tendência da sua manutenção a níveis historicamente baixos, com os indexantes Euribor em terreno negativo. Esta tendência tem-se mantido nos últimos anos, fruto de uma política amplamente acomodatícia seguida pelo Banco Central Europeu (BCE) numa senda de estímulo à atividade económica no espaço da zona euro. Sublinhe-se que, não obstante o esforço, os resultados revelam-se moderados e, especialmente heterogéneos quando comparados os desempenhos dos diversos países.

Após um período de contração da economia, uma parte significativa dos portugueses beneficiou de dois importantes efeitos: por um lado, a reposição progressiva de rendimentos decorrente do reajustamento fiscal pós-troika, e por outro, para os mutuários de crédito à habitação, a significativa redução nas prestações decorrente da descida do indexante de taxa de juro. Fatores conjugados deram origem a uma disponibilidade adicional para a contração de novos empréstimos ao consumo, cujas taxas de juro também vieram a descer sucessivamente proporcionando prestações mensais mais baixas.

Ora, não admira que o apetite dos consumidores por crédito, neste favorável contexto, tenha resultado num significativo crescimento do stock de financiamento ao consumo nos últimos anos. Consultando o indicador das estatísticas monetárias e financeiras do Banco de Portugal, referente a empréstimos concedidos pelas instituições financeiras com a finalidade de consumo, só no último semestre de 2019, o volume de empréstimos terá subido praticamente 900 milhões de euros para um total de 18.751 milhões de euros em dezembro de 2019 (a que terá correspondido uma taxa de variação anual de 8,4%), valor bem acima do registado no período pré-crise. Numa aproximação aos valores de encargos com juros a suportar anualmente pelas famílias, estaremos a falar de algo próximo dos 1.310 milhões de euros. Por cada ponto percentual de acréscimo de taxa de juro, poderemos estar a falar de mais 187 milhões de euros de encargos anuais, só na finalidade de consumo.

Desde meados de 2018, as instituições financeiras estão obrigadas a apurar as condições de solvabilidade dos consumidores, de que se realça a importância da medida do rácio DSTI (Debt Service to Income). Nessa altura, o supervisor emitiu uma recomendação de esse rácio não dever ultrapassar os 50%. Ou seja, e simplificando, o valor mensal de encargo com a dívida a assumir pelo consumidor, somado a outros encargos já assumidos com outras dívidas, não deve ultrapassar metade do rendimento líquido que aufere. E permitiu às instituições a possibilidade de poderem deter até 20% de contratos com DSTI até 60%, devidamente justificados, permitindo igualmente um prazo máximo de dez anos de maturidade contratual.

No passado dia 31 de janeiro, o Banco de Portugal reviu a sua recomendação, com efeitos a partir do próximo mês de abril, reduzindo a quota de DSTI até 60%, para 10% do total dos empréstimos concedidos num ano, e reduzindo os prazos máximos de crédito pessoal para os sete anos (excetuando finalidades bem definidas de natureza social ou duradoura, como saúde, educação, energias renováveis ou automóvel).

Estas medidas de natureza macroprudencial, adotadas gradualmente, são no fundo o fine tuning, a moderação da expansão do crédito aos consumidores, com o objetivo de evitar a acomodação a um ciclo de taxas de juro muito baixas. Um aumento da incerteza sobre a evolução das taxas de juro pode tornar-se particularmente dolorosa para a economia portuguesa, uma vez que não controlamos medidas de política monetária que, quando tomadas pelo BCE, por certo, não se ajustarão a cada jurisdição nacional.

Como diz o ditado popular, “cautela e caldos de galinha” nunca fizeram mal a ninguém.