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CEO do Novobanco alerta para ‘italianização’ do risco da dívida pública portuguesa

“A crise da Ucrânia veio trazer um problema adicional que é o custo energético e o efeito que está a ter na dívida pública”, disse o CEO do Novobanco.
  • Cristina Bernardo
11 Março 2022, 20h17

O presidente executivo do Novobanco, António Ramalho, antevê que, num cenário de disrupção energética, fruto do conflito na Ucrânia, será provável registar-se uma recessão já em 2023.

O presidente do Novobanco apresentou dois cenários económicos possíveis. Uma desaceleração razoavelmente controlada da economia ou uma desaceleração abrupta ou recessão.

“Num cenário de disrupção energética, é provável ter uma recessão já a partir de 2023, com reduções de crescimento em 2022, a que se soma um risco de ‘italianização’ da periferia europeia, o que implicaria sermos vistos como uma entidade de elevado ‘spread’ de crédito”, referiu António Ramalho, durante a sua intervenção na conferência “Portugal: Objetivo Crescimento”, organizada pela Ordem dos Economistas, em Lisboa.

“A Itália é o único país que tem uma dependência de gás russo significativa, será o quinto país mais afetado se houver um corte de fornecimento do gás da Rússia.  Portugal hoje está a cotar 84 pontos base contra as bunds alemãs e a Itália estava a cotar a 168 pontos base [face à dívida pública alemã a 10 anos], começa a haver um desvio significativo que leva a que haja condições estranhas para que a Itália opere”, disse o CEO do Novobanco que acredita que se Portugal seguir Itália será “um problema muito sério”.

“A dívida pública continua a ser o ponto mais fraco da nossa economia”, disse o CEO que reconheceu que a guerra na Ucrânia alargou o spread de crédito face à dívida alemã, ou seja, aumentou o prémio de risco.

Dois cenários estão em cima da mesa, defendeu o presidente do Novobanco. “Um cenário onde a disrupção da energia não representará a alteração e a descontinuidade mas teremos inevitavelmente preços mais elevados, sanções, uma redução do crescimento económico entre os 2,5% e os 3,5% na zona do euro e uma perspetiva de crescimento do PIB para Portugal claramente abaixo dos 5%, mas acima de 2%”. Nesse cenário de impacto moderado Ramalho admite uma subida gradual das taxas de juro e a “banca irá ganhar com isso”.

“O segundo cenário é de disrupção energética e nesse caso é provável que tenhamos uma recessão a partir 2023 e uma redução do crescimento do PIB muito significativa ainda este ano, com todos os riscos que daí advêm, mais o um risco de italianização da periferia, o que levaria a que Portugal fosse visto como uma entidade com spreads de crédito mais elevados [para espelhar um risco mais elevado]”, admitiu o banqueiro.

Na intervenção, o CEO do Novobanco começou por elogiar a Caixa Geral de Depósitos, representada no painel pelo seu presidente Paulo Macedo, por “termos entre nós um banco que é investment grade e eu sei quanto custa um banco voltar a ser investment grade” disse António Ramalho que lembrou que o Novobanco ainda é um “triple C”.

Antes de dia 24 de fevereiro [dia em que a Rússia entrou na Ucrânia] parecia que se desenhava um conjunto de circunstâncias particularmente positivas, começou por contextualizar o banqueiro que lembrou a “estabilidade política promissora” numa altura em que Portugal tem no horizonte receber 60 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência. Havia uma confluência de circunstâncias positivas, mas o diabo estava ao virar da esquina, e depois de uma crise pandémica que afectou a oferta e procura, eis que a geopolítica estragou as previsões económicas e as expetativas dos economistas.

Citando o chief-economist do Novobanco, António Ramalho falou do “problema inegável da logística” que se seguiu à crise da pandemia e que criou um problema de inflação que os bancos centrais viam como temporária.

“A crise da Ucrânia veio trazer um problema adicional que é o custo energético e o efeito que está a ter na dívida pública”, disse o CEO do banco. “É verdade que a dependência energética de Portugal do gás russo é pequena mas o conflito trouxe uma alteração substancial de preços dada a importância do gás e petróleo russo para a economia europeia”, referiu.

O banqueiro alerta que a médio longo prazo, a regionalização europeia (decorrente da redução da dependência energética da Rússia) pode dificultar a estrutura logística da distribuição.

Antes de dia 24 de fevereiro era inegável, na opinião do banqueiro, que as taxas de juro iam subir, mas o euro está mais débil face ao dólar, o que pode mudar a rota da evolução dos juros.

Sobre a dívida pública, cujos juros estão a subir, António Ramalho disse que nos coloca sob “o risco de periferia”. “Nesta altura ninguém tem coragem de fazer hedging do spread de crédito”, disse o CEO do Novobanco.

A subida dos juros da dívida pública e queda do preço tem impacto nos bancos, lembrou.

“É bom lembrar que a Finlândia é um Double A com um Outlook positivo e que a Suécia é um Triple A, se de repente vamos ter dúvidas sobre a credibilidade destas economias a verdade é que podemos ter uma alteração substancial de spreads de crédito onde não esperávamos ter”, disse o presidente do Novobanco.

O conflito na Ucrânia provoca seis efeitos inevitáveis, segundo o CEO do Novobanco. “Um aumento dos preços das commodities; um foco, no longo prazo, na transição energética (as questões de segurança energética e de regionalização assim o obrigam e a limitação e redução das dependências também); vamos ter um aumento da despesa pública para suportar, não só o custo da transição energética, e o aumento da despesa militar (vamos ter uma a Alemanha mais militarizada), mas também para suportar alguns sectores mais afectados; vamos ter algumas alterações do quadro fiscal europeu no sentido da mutualização de dívidas específicas – um conceito que já foi aberto [na pandemia] e que pode ser generalizado; vamos ter um reforço da força do dólar e ter impactos de redução do modelo de globalização com a inevitável passagem para modelos muito mais macro-regionais onde os grandes pólos (e a China passará a ser um pólo ainda maior) ganham protagonismo. Os poderes regionais locais, serão, muitos deles afectados durante esta crise, por exemplo a Turquia que tem elevada dependência das matérias primas da Rússia e da Ucrânia”, defendeu António Ramalho.

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