O choque entre as autoridades de Madrid e de Barcelona, mais uma vez, veio demonstrar como os nacionalismos (espanhol e catalão) exortam a um predomínio da emoção sobre a razão, muitas vezes à custa do bem-estar de milhões de cidadãos. A deriva radical do nacionalismo catalão tem boa parte dos seus fundamentos na crise económica e no imobilismo das autoridades espanholas face à crescente insatisfação dos catalães com o modelo de financiamento da respectiva comunidade. A forma como Mariano Rajoy ignorou a Catalunha durante anos e como, ainda na oposição, instrumentalizou a reforma do estatuto autonómico para desgastar Rodríguez Zapatero reforçaram o discurso independentista.

Rajoy brincou com coisas sérias, subestimando o descontentamento de boa parte dos catalães e confiando no encaixe de mais de 30 anos do nacionalismo catalão de centro-direita nas instituições. Não foi isso que aconteceu. Depois do fracasso da primeira tentativa de referendo, em 2014, foram convocadas eleições para o parlamento autonómico às quais concorreram coligadas as duas facções históricas do catalanismo (Esquerra Republicana de Catalunya e a, à época, Convergència Democrática de Catalunya). A coligação Junts por el Si foi constituída a pensar exclusivamente na independência. Ao não obter uma maioria absoluta, o projecto ficou debilitado e dependente do emergente independentismo radical e anti-globalização das Candidatures d’Unitat Popular.

O processo acabou por não correr de acordo com o previsto e, chegados a Setembro de 2017, o executivo autonómico e a sua maioria de suporte pareciam ter perdido o controlo sobre a situação, em virtude do bombardeamento legal a que estavam a ser sujeitos pelo Estado espanhol. Nesse contexto, fazem aprovar uma lei de referendo (suspensa de imediato pelo Tribunal Constitucional) por uma maioria de 72 votos em 135 possíveis, quando o estatuto de autonomia prevê maiorias de 2/3 para questões de importância acrescida.

Quando os catalães pareciam distanciar-se do processo, Mariano Rajoy concedeu um novo balão de oxigénio ao independentismo desencadeando um processo de desarticulação do referendo desproporcionado. A sociedade catalã poderá ter muitas dúvidas acerca de uma eventual independência, mas é, na sua maioria, favorável ao auto-governo e rejeita ser tutelada por Madrid. A imagem da detenção de assessores da Generalitat ou o controlo da polícia autonómica pela Guarda Civil poderão ter salvo o nacionalismo catalão.

Nada disto é novidade. No fundo, de que se alimenta o nacionalismo? De outro nacionalismo. Foi assim na Europa dos anos 30; foi assim nos Balcãs dos anos 90; é assim na Espanha de hoje (por agora sem violência). Seja sob a capa de um “simpático” partido da esquerda alternativa ou de um “respeitável” partido conservador de direita, quando emerge o factor irracional, vale tudo. Vale tentar um referendo inconstitucional com uma maioria pífia no parlamento autonómico e vale ameaçar o presidente de uma comunidade autónoma com a prisão.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.