A alteração introduzida ao salário mínimo, pelo Orçamento do Estado de 2019, levantou de novo a “velha” questão da discrepância entre os salários e regalias do sector público e do sector privado.

À primeira vista, são mais cidadãos (cidadãos de primeira) os funcionários públicos. Têm um salário mínimo superior (635 euros vs. 600 euros no privado), trabalham menos horas (35 horas vs. 40 horas), têm mais regalias (nomeadamente, a possibilidade de beneficiar de sistemas de saúde próprios como a ADSE) e melhores condições de reforma. Têm ainda o posto de trabalho mais “blindado”, podendo apenas ser despedidos por justa causa ou por acordo.

Ainda que os cargos de topo e de chefia intermédia tendam a ser mais bem remunerados no privado, existe, no sector público, uma prática salarial claramente superior para funções de menor exigência e responsabilidade, até pelo facto de a antiguidade ser mais valorizada no Estado.

A resposta à questão “é melhor ser funcionário público ou privado?” não é directa e passa pela posição hierárquica que um trabalhador ocupa, pelas expectativas de careira e pela sua maior ou menor aversão ao risco de poder vir a ser despedido (há quem prefira ganhar menos, na certeza de que nunca perderá o emprego).

Independentemente dos prós e contras, se a divisão entre funcionários públicos e privados parece clara, menos normal é a situação dos trabalhadores do sector empresarial do Estado, nomeadamente os trabalhadores das empresas municipais.

Por norma, estas empresas têm a finalidade de prestar um serviço especializado numa determinada área, por exemplo a cultura ou o desporto, assumindo-se como um “prolongamento” do próprio Estado (assume-se aqui uma definição de Estado em sentido lato).

Faria sentido, portanto, que estes trabalhadores, tendo inclusivamente a mesma “entidade patronal”, beneficiassem das mesmas condições e regalias que os seus colegas que trabalham nas câmaras municipais. Todavia, isso não acontece e é curioso que um Governo suportado por uma coligação parlamentar de esquerda, que defende fortemente a intervenção do Estado na economia, se tenha esquecido por completo de acautelar a situação destes trabalhadores.

Pegando na questão do aumento do salário mínimo, por exemplo, verifica-se que o Governo decretou o aumento do salário mínimo nacional para 635 euros no caso dos trabalhadores do sector público e para 600 euros, no caso dos trabalhadores do sector privado. Acontece, porém, que os trabalhadores do sector empresarial do Estado ficam abrangidos pelo valor do sector privado, i.e., 600 euros.

Ou seja, o mesmo “patrão” (por exemplo uma câmara municipal), paga um valor aos assalariados directos e outro aos assalariados que lhe prestam serviços através de uma empresa, ainda que esta seja detida por si a 100% e, mesmo que queira, por imposição do rigor orçamental – e do esquecimento em acautelar esta questão – dificilmente os pode aumentar tendo que encontrar outra via de compensação (como, por exemplo, um prémio).

Acresce que muitos dos trabalhadores que prestam serviços nas empresas públicas têm contrato individual de trabalho e, como tal, para além de estarem sujeitos a maior precariedade, não são abrangidos pela regra das 35 horas estando obrigados a trabalhar as 40 horas semanais (ou a carga horária definida em contrato coletivo de trabalho, quando aplicável).

É estranho que um Estado que não permite às empresas discriminar funcionários com funções idênticas o faça de forma deliberada no seu sector empresarial, que é também o seu braço operacional na economia. Mais estranho só o facto de, quando longe dos holofotes, PCP e Bloco de Esquerda manifestem pouco ou nenhum interesse pelos trabalhadores.

Não sendo cidadãos de primeira, nem de segunda, passarão estes trabalhadores à categoria de cidadãos de terceira?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.