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CMVM responde à PwC rejeitando que a avalanche de regulação financeira possa ser chamada de “tsunami”

O responsável pela supervisão de intermediário financeiros diz estar ciente que a introdução da DMIF II acarreta a assunção de elevados custos, a alocação de recursos, esforço e tempo significativos para garantir o cumprimento num novo enquadramento regulamentar. “Estes custos, contudo, terão que ser encarados como um investimento”, disse Rui Pinto.
  • Cristina Bernardo
2 Dezembro 2017, 16h06

Rui Pinto, administrador da CMVM com o pelouro da supervisão de intermediários financeiros fez a abertura duma conferência realizada na Universidade de Lisboa (FDL) sobre a DMIF II .

O administrador da entidade que faz a supervisão dos mercados de capitais começou por responder a Luís Barbosa, partner da PwC Portugal, que no Fórum Banca, organizado pelo Económico e pela PwC, alertou para a vaga de regulamentação que está em curso no setor bancário e que apelidou de “tsunami regulatório”.

Rui Pinto referiu-se a “alguns termos que tenho ouvido em referência a alguns dos pacotes legislativos que têm vindo a ser implementados no sistema financeiro: seja a DMIF II, seja a CRD IV ou Solvência II: tsunami regulatório, avalanche de novos requisitos, dilúvio de normas”.

“Não posso deixar de constatar a curiosa associação destes novos pacotes legislativos a fenómenos de catástrofes naturais. Isto permite aferir que os mesmos têm vindo a ser encarados com alguma apreensão pela indústria, pelas alterações que trazem à forma como as instituições estão organizadas, à forma como os modelos de negócio estão estabelecidos, à forma de interação com os clientes. Mas se recuso liminarmente a associação da DMIF II à destruição própria de um fenómeno de catástrofe natural, não recuso a associação a um fenómeno natural”, disse o administrador da CMVM.

“A natureza é pródiga em fenómenos que resultam de um nexo de causalidade, de uma relação causa-efeito. A sustentabilidade que nos é oferecida na natureza reflete a geração de fenómenos que muitas vezes corrigem desequilíbrios. A ausência de correção de tais desequilíbrios poderia significar a criação de um ciclo vicioso, esse sim gerador de destruição. Por isso se diz que a natureza encontra sempre um caminho”, explica o supervisor.

Sobre o pacote legislativo da DMIF II diz que representa “uma reação à constatação evidente de aspetos identificados desde a crise financeira de 2008, esses sim, causadores de desequilíbrios e geradores de destruição (de capital e de confiança, de sustentabilidade). Alguns deles a falta de transparência em alguns mercados; a elevada complexidade de instrumentos financeiros, sem que houvesse a prestação de informação à altura de tal complexidade; e a ausência de standards de organização, de políticas e procedimentos internos que permitam a tomada de decisão com independência, servindo os interesses dos clientes e mitigando conflitos de interesse, num ambiente de controlo interno adequado”.

São, assim, os quatro grandes objetivos deste pacote regulamentar: Reforçar a proteção dos investidores; diminuir os riscos decorrentes de perturbações do mercado; reduzir risco sistémico; e reforçar a eficiência do mercado, disse o orador.

Dizendo saber que são objetivos ambiciosos, disse que seria de esperar que as medidas desenhadas para mitigar os riscos de nova materialização dos acontecimentos do passado representassem um desafio lançado para a indústria, para a forma como as entidades estão organizadas, para os modelos de negócio pré-estabelecidos, para a forma como é processada a interação com os clientes. “E são, de facto. São-no igualmente, já agora, para a função de supervisão”, adiantou.

Uma das questões que se põe perante os requisitos de investimento que são necessários para implementar a nova legislação é se entidades de menor dimensão e em mercados específicos terão dificuldades acrescidas em conseguir atingir o cumprimento pleno das novas determinações, referindo-se à aplicação do princípio da proporcionalidade. “A CMVM está ciente desta questão. A CMVM tem vindo a colocar na agenda da discussão da regulação europeia a aplicação do princípio da proporcionalidade”. É um compromisso da CMVM.

Mas, diz não considerar aceitável que a viabilidade de negócios ou mercados específicos “seja colocada em causa pela aplicação de normas cujo carácter decisivo pode ser posto em questão. Não considero aceitável que apenas com existência de escala significativa seja possível ser compliant com o novo enquadramento regulamentar”, disse.

Há um conjunto de princípios que são universais e imunes à aplicação do principio da proporcionalidade, explica. “E sobre o cumprimento destes princípios basear-se-á o planeamento de supervisão da CMVM, sobre estes princípios serão desenhadas as prioridades de supervisão da CMVM” disse destacando os os aspetos de governo interno: “um requisito essencial para a correta tomada de decisão por parte das instituições é a existência de um modelo de governação interna robusto”.

Rui Pinto referia-se às “instituições que baseiam a sua atividade em estratégias sustentáveis, com códigos de conduta e princípios de atuação que visam a defesa dos interesses dos seus stakeholders numa escala de prioridades aceitável (com destaque para a defesa dos interesses dos clientes); às instituições com organizações internas adequadas, com mecanismos de responsabilização e reporte interno estabelecidos e conhecidos; com políticas e procedimentos definidos e efetivamente implementados e que resistem à rotação de colaboradores na organização; às instituições que favorecem um ambiente de controlo interno apropriado, com funções de controlo interno capacitadas, autónomas e independentes, e atuantes (funções de gestão de risco, compliance e auditoria interna); e finalmente às instituições que estabelecem esquemas de remuneração e incentivos equilibrados e que refletem o seu apetite ao risco, os seus valores e os seus interesses de longo prazo”.

A avaliação que faz sobre a situação atual no sistema financeiro à luz de alguns destes princípios, no que respeita às matérias supervisionadas pela CMVM, “é de que existe ainda um longo caminho a percorrer”.

“Com maior frequência do que a desejada, as conclusões da supervisão feita pela CMVM aos Intermediários Financeiros revelam situações não satisfatórias, os relatórios de controlo interno reportados apresentam deficiências e limitações preocupantes na organização das instituições ou as ações de supervisão presencial demonstram a inexistência de políticas e procedimentos internos para atuações em áreas essenciais da atividade da instituição ou demonstram a sua não aplicação na prática, conforme o definido”, disse exemplificando com o processo de registo das entidades ao abrigo da introdução da AIFMD, que não está ainda completo para a generalidade das instituições por falta de apresentação de requisitos que deveriam ser basilares para a sua atuação, nomeadamente ao nível da existência de políticas e procedimentos internos estabelecidos”.

A atuação futura da CMVM visará corrigir o hiato entre o que existe e o que deveria existir nestas matérias. Será dado um foco especial à atuação das funções de controlo interno.

“A supervisão contínua da CMVM tem vindo recentemente a intensificar a atuação junto dos responsáveis de compliance das instituições, que têm uma responsabilidade decisiva na criação e monitorização de um sistema de controlo de cumprimento com os requisitos regulamentares em vigor”.

“Assim, numa base de supervisão ongoing, e sem prejuízo das normais interações com os órgãos de administração das instituições e com outras funções essenciais, será estreitada a relação com a função de compliance, que deverá estar dotada dos recursos necessários à manutenção de um risco de compliance para a entidade nos limites aceitáveis”.

A CMVM considera que a função de compliance é essencial, “sobretudo no atual contexto de introdução do novo pacote regulamentar, para garantir que os princípios subjacentes aos novos desenvolvimentos regulamentares são vertidos nas políticas e procedimentos das entidades. Serão com certeza tempos desafiantes os próximos”.

O responsável pela supervisão de intermediários financeiros diz estar ciente que a introdução da DMIF II acarreta a assunção de elevados custos, a alocação de recursos, esforço e tempo significativos para garantir o cumprimento num novo enquadramento regulamentar.

“Estes custos, contudo, terão que ser encarados como um investimento. Um investimento que permitirá uma garantia de viabilidade e sustentabilidade das entidades que operam no mercado, por via de uma reforçada confiança dos investidores, maior eficiência do mercado e menor risco sistémico”, conclui.

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