Se tentasse descortinar, nos textos que aqui tenho deixado ao longo dos últimos anos, um fio condutor, uma ideia aglutinadora ou um mínimo denominador comum, não estou certo de que seria bem-sucedido. Ainda assim, e correndo todos os riscos inerentes à auto-exegese, parece-me que esse fio poderá talvez vislumbrar-se numa manifestação favorável a uma concepção liberal da sociedade e da economia de mercado – temperada, controlada, regulada e virtuosa, como tenho procurado explicitar –, que encontra correspondência no repúdio por todas as formas de populismo, facilitismo ou demagogia.

Estou convencido que os fenómenos políticos de marca populista ou de feição despudoradamente emocional têm feito o seu caminho à custa da degradação paulatina da qualidade das democracias onde se propagam, resultando num esboroamento progressivo e inexorável dos valores fundamentais que devem nortear o governo da res publica e dos direitos e liberdades políticos, económicos e sociais, que encontram geralmente respaldo constitucional.

A convocação política de dimensões mais ou menos transcendentes ou místicas, como o patriotismo, o nacionalismo, a supremacia étnica, a superioridade moral ou a confiança numa honestidade e competência mitificadas, tal como a exploração e capitalização de sentimentos de medo, desconfiança e ressentimento perfilhados por parte significativa da população, traduzem-se sempre em políticas erradas e desfocadas do essencial, quando não especialmente danosas.

Tenho denunciado, por isso, os populismos italianos “anti-políticos” à moda de Beppe Grillo, os nacionalismos dos “nossos” contra “eles” – que encontram expoentes no Brexit e na campanha vitoriosa de Donald J. – e também os facilitismos pátrios, que António Costa recentemente sintetizou na perfeição ao cunhar a eloquente expressão “tudo para todos, já”.

Também nas eleições autárquicas recentes observámos campanhas populistas (algumas muito bem sucedidas) que me fazem temer o pior para os concelhos envolvidos e outros que decidam imitar-lhes o exemplo – campanhas assentes na capacidade de “fazer obra”, independentemente do carácter ou da honestidade, no repúdio formalista de um anátema proveniente de condenações judiciais e no cerrar de fileiras em torno das virtudes da “independência”, por oposição a um “sistema” de partidos que não servem os interesses das pessoas mas apenas os interesses dos próprios.

Dir-me-ão que se tratam de epifenómenos, localizados e contidos. Eu direi que, apesar das vitórias de Rui Moreira e Fernando Medina (e, no seu plano, também de Assunção Cristas e Manuel Pizarro), actores autárquicos de mérito, competência e seriedade reconhecidos, só os mais desatentos assim argumentarão. Atentemos no Orçamento…

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.