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Contribuições e outros impostos indirectos

Em análise o sistema eletrónico central de informações sobre pagamentos (CESOP) para combater a fraude ao IVA, os desenvolvimentos da Contribuição de Serviço Rodoviário e o impacto das novas contribuições extraordinárias.
5 Maio 2023, 10h00

Inês Cabral
Partner da EY, Tax Financial Services
Quais as mudanças principais que são introduzidas com a Directiva UE Anti-Fraude (2084/2020) Central Electronic System of Payment information (CESOP)?
A Diretiva em apreço, ainda não transposta para a legislação nacional, tem como objetivo criar uma nova obrigação de reporte aplicável a Prestadores de Serviços de Pagamentos (PSP), de modo a combater as fraudes de IVA transfronteiriças, no domínio do comércio eletrónico. Os PSP terão que reportar determinados pagamentos de natureza transfronteiriça efetuados para o mesmo beneficiário, enquadrando-se como PSP as instituições de crédito, as instituições de moeda eletrónica, as instituições de giro postal autorizadas a prestar serviços de pagamento e as instituições de pagamento. Na prática, serão reportados pagamentos efetuados por um ordenante num Estado-membro para um beneficiário noutro Estado-membro (situação em que a informação deverá ser reportada pelo PSP do beneficiário) ou para um beneficiário num território ou país terceiro (caso em que a informação deverá ser reportada pelo PSP do ordenante.

Qual a importância desta diretiva?
Esta Diretiva ainda não foi transposta para a legislação nacional. Contudo, a mesma entrará em vigor a 1 de janeiro de 2024. Os reportes serão trimestrais, sendo o primeiro a 30 de abril de 2024. É sabido que o comércio eletrónico facilita as vendas transfronteiriças a consumidores finais e é também conhecido que empresas fraudulentas exploram oportunidades em que o IVA é devido num Estado-membro diferente do Estado-membro em que o fornecedor está estabelecido. Chegou-se à conclusão que os Estados-membros onde se verifica o consumo têm de ter mecanismos que lhes permitam controlar e detetar essas situações. Neste contexto, e atendendo a que nas compras online, na maioria dos casos, os pagamentos são efetuados através de PSP, os quais possuem informações específicas que permitem identificar os beneficiários desses pagamentos, decidiu-se que os PSP terão que disponibilizar as referidas informações às administrações tributárias para que as ajudem a identificar e a combater a fraude fiscal.

De que modo impacta esta diretiva a relação entre os vários Estados-membros, no reporte dos dados dos pagamentos eletrónicos?
Paralelamente ao mecanismo de troca automática de informações imposto pela Diretiva 282/2020, o Regulamento UE 2020/283 vem focar-se no desenvolvimento do sistema designado por Central Electronic System of Payment information (CESOP), no qual será armazenada e processada a informação reportada pelos PSP às respetivas administrações fiscais,
previamente à sua disponibilização aos diferentes Estados-membros. De um modo geral, todos os pagamentos abrangidos pela Diretiva PSD2 estão abrangidos por esta obrigação de reporte, não se incluindo pagamentos ligados a valores mobiliários.

Ana Luísa Basto
Senior Manager da EY,
Indirect Tax Services
A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é, afinal, um imposto ou uma contribuição?
A CSR é um imposto, tendo sido reconhecida como tal através da Lei 24-E/2022, de 30 de dezembro. Na verdade, com efeitos a 1 de janeiro de 2023, esta Lei veio, por um lado, extinguir a CSR e, por outro, refletir na taxa do ISP um aumento pelo montante equivalente cobrado pela extinta CSR, passando a prever a correspondente consignação parcial da receita do ISP (i.e., equivalente ao montante anteriormente cobrados a título de CSR) ao serviço rodoviário, tendo em vista financiar a rede rodoviária nacional a cargo da Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP).

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) considerou ilegal a CSR. É possível que os valores cobrados nessa sede voltem para o bolso dos contribuintes?
A CSR é um imposto, tendo sido reconhecida como tal através da Lei 24-E/2022, de 30 de dezembro, que veio reconhecer o teor do acórdão do TJUE, nos termos do qual se conclui que a CSR é incompatível com a Diretiva 2008/118, precisamente por se caracterizar como um imposto, cujas receitas destinam-se a assegurar uma finalidade puramente orçamental, i.e., o financiamento da rede rodoviária mediante a sua consignação à IP, não prosseguindo qualquer “motivo específico” que, em concreto, visasse a desmotivação do consumo dos principais combustíveis rodoviários.

Parece-nos – e, pelos vistos ao legislador também, caso contrário, não teria promovido a extinção da CSR e a sua integração no ISP – ser inequívoca a ilegalidade da CSR, pelo menos, até 31.12.2022. Ora, esta ilegalidade só será efetivamente sanada se a AT restituir a CSR. Porém, esta restituição depende da verificação de determinadas condições, desde logo, relacionadas com a legitimidade do contribuinte para peticionar a devolução da CSR ilegalmente cobrada.

A este propósito, é do conhecimento público que as ações para contestar e recuperar a CSR têm sido interpostas, em concreto, por uma sociedade que qualifica como sujeito passivo do ISP e da CSR que, na prática, é quem declara a introdução no consumo do combustível sujeito a estes tributos e é responsável pelo seu pagamento.

São conhecidas as ações para contestar e recuperar a CSR têm sido interpostas. No âmbito dessas ações, tanto o TJUE, como os tribunais arbitrais, têm reconhecido ao sujeito passivo da CSR legitimidade processual ativa para contestar as respetivas liquidações.

No âmbito dessas ações, tanto o TJUE, como os tribunais arbitrais, têm reconhecido ao sujeito passivo da CSR legitimidade processual ativa para contestar as respetivas liquidações.
Porém, a mesma é discutível, designadamente se existir prova que houve repercussão da CSR noutra pessoa e que essa repercussão conduziu a uma situação de enriquecimento sem causa por parte do sujeito passivo. Aliás, parte da tese defendida pela AT vai no sentido de que, embora o sujeito passivo de CSR seja o que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta “contribuição financeira” é suportado pelo consumidor do combustível, sendo, por isso, este último, o contribuinte da CSR.

As gasolineiras vão ter mais dificuldade em ganhar processos contra o Fisco para exigir o reembolso da CSR paga nos últimos três anos, porque desde setembro de 2020 que os impostos cobrados ao consumidor têm de estar na fatura-recibo?
Depende. De facto, desde setembro de 2020, as gasolineiras que vendem combustível a retalho aos consumidores (que, tanto podem ser pessoas singulares, como pessoas coletivas) são obrigadas a discriminar nas suas faturas o ISP, a taxa de carbono e a CSR. Ora, podemos ter em cima da mesa diferentes cenários. As gasolineiras são sujeitos passivos da CSR e vendem a retalho – neste caso, a repercussão da CSR é evidenciada nas faturas emitidas aos consumidores, o que facilita a AT na prova necessária (ainda que incompleta) para recusar o reembolso da CSR. As gasolineiras são sujeitos passivos da CSR e vendem a grossistas e/ou retalhistas – neste caso, a repercussão da CSR não é evidenciada nas faturas emitidas aos grossistas/retalhistas, o que não impede a AT de fazer prova necessária (ainda que incompleta) para recusar o reembolso da CSR, embora esta não esteja, à partida, tão facilitada como no primeiro cenário. As gasolineiras não são sujeitos passivos da CSR e atuam como retalhistas que adquiriram o combustível aos fornecedores que o introduziram no consumo – neste caso, a repercussão da CSR é evidenciada nas faturas emitidas pelas gasolineiras retalhistas aos consumidores e, ainda assim, mesmo que aquelas não sejam sujeitos passivos da CSR, também provavelmente não serão os verdadeiros “contribuintes de facto” que suportaram economicamente este tributo. Poder-se-á afirmar que os consumidores que adquiriram a retalho o combustível para consumo no âmbito das suas atividades serão aqueles que potencialmente poderão reunir as condições necessárias para contestar a CSR, desde que adotem a estratégia procedimental e/ou processual mais adequada para peticionar o reembolso daquele tributo. Porém, no caso das gasolineiras, em qualquer dos cenários acima referidos – em que se evidencia, de forma mais ou menos óbvia, a repercussão da CSR – as hipóteses de contestação não devem ser totalmente descartadas, designadamente se for possível verificar que o encargo económico da CSR não foi liminarmente neutralizado por força da sua repercussão, ou seja, que não existiu enriquecimento sem causa na sua esfera.

Catarina Anjo Balona
Senior Manager da EY,Indirect Tax Services
Com as novas contribuições temporárias sobre os sectores da energia e da distribuição alimentar, teme que seja mais um imposto extraordinário que tende a perpetuar-se?
Pese embora exista sempre o risco dessa perpetuação, à semelhança do que já sucedeu com outros tributos extraordinários, o Regulamento (UE) 2022/1854, do Conselho, de 6 de outubro de 2022 prescreve que a CST-Energia apenas se aplicará (no máximo) até ao exercício fiscal de 2023.

Para que a medida vigora noutros exercícios, seria necessário que o legislador europeu entendesse ser de prorrogar a respetiva vigência ou que, não o fazendo, o legislador português criasse uma medida equivalente, através de lei nacional. Qualquer um dos cenários, em face do conhecimento e informação atualmente disponíveis, parece relativamente improvável – até pela ligação da referida CST-Energia ao contexto de inflação energética.

Para além do referido, é claro que medidas desta natureza consolidam o impacto, já muito considerável, da tributação específica sobre o sector energético, em especial a CESE.
Por outro lado, no que concerne ao sector da distribuição (onde vigora a designada CST-Distribuição Alimentar), está em causa uma opção exclusivamente nacional. Nessa medida, os riscos de um eventual excesso de perdurabilidade no ordenamento jurídico nacional são consideravelmente maiores, atendendo ao paralelismo face a outras contribuições sectoriais criadas ao longo da última década.

Contrariamente a outas contribuições, a CST-Energia e a própria CST-Distribuição Alimentar incidem sobre lucros, à semelhança do que já sucede com o IRC, o que certamente incrementará a tendência natural para a litigância.

Como avalia o impacto destas novas taxas nas empresas?
Em geral, a introdução de tributos sobre lucros extraordinários nunca pode deixar de ter aspetos desafiantes, de um ponto de vista de política fiscal. Desde logo, a própria noção do que deverão considerar-se lucros excessivos é extremamente ampla, podendo adotar-se critérios muito distintos, consoante a intenção do legislador.

Estes tributos, a CST-Energia e a CST-Distribuição Alimentar são, na realidade, tributos sobre lucros (considerados como) excessivos ou excedentários, sendo objeto de tributação apenas acima dos limiares estabelecidos em cada um dos respetivos regimes e já não sobre todo o lucro realizado em cada exercício.

A jurisprudência, em especial a do Tribunal Constitucional, não tem revelado grande abertura para rever a natureza do IRC, como imposto proporcional, não obstante a proliferação de várias contribuições sectoriais. Nessa medida, acho pouco provável que venha a decidir em prol da transformação do IRC num puro imposto progressivo – o que não significa, entenda-se, que o imposto em causa não tenha sido objeto de uma forte erosão à sua base histórica, incluindo várias atenuações à respetiva proporcionalidade.

Inequivocamente, a perda de competitividade é um aspeto preocupante, em especial em função da taxa nominal de IRC, que nunca pode deixar de ter, também, um aspeto simbólico para o exterior. Não se tendo cumprido as recomendações da Comissão de Reforma do IRC de 2013, a taxa nominal de IRC permanece a níveis particularmente elevados para a realidade empresarial nacional e, bem assim, para a criação de condições de primeiro ótimo para a atração de investimento.

 

 

 

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