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Créditos da CGD a Berardo passados a pente fino pela Justiça

MP assegura que não deixará de analisar todas as questões criminalmente revelantes. Créditos ruinosos concedidos a empresário estão na mira da PJ.
  • Jose Manuel Ribeiro/Reuters
2 Junho 2019, 08h00

Empréstimos concedidos desde 2000 estão a ser passados a pente fino pela Justiça que tem como um dos principais focos os créditos de 350 milhões de euros que o empresário Joe Berardo obteve junto da Caixa Geral de Depósitos (CGD) para comprar acções do BCP e que acabaram por se revelar ruinosos para o banco público. Em causa estão, entre outras, suspeitas de gestão danosa na base da investigação delegada pelo Ministério Público (MP) à Polícia Judiciária (PJ), sabe o Jornal Económico junto de fonte próxima ao processo.

Segundo a mesma fonte, “os créditos a Joe Berardo estão nas operações principais em investigação” no âmbito do inquérito dirigido no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que investiga os crimes económicos e financeiros de maior complexidade. Uma investigação aberta em setembro de 2016 e que se centra nos 100 dos maiores credores do banco público, que podem constituir práticas criminosas de administração danosa.

O MP está também a investigar indícios criminais de corrupção (ativa e passiva), participação económica em negócio e peculato. Suspeitas que se adensaram após a audição de Joe Berardo na sexta-feira passada, 10 de maio, na nova Comissão Parlamentar de de Inquérito à gestão da Caixa, cujas declarações geraram uma onda de choque.

O JE questionou a Procuradoria Geral da República (PGR) sobre se o MP tomou nota das informações que foram tramsmitidas pelo empresário madeirense no Parlamento (que já decidiu enviar cópia da audição ao MP) e sobre a prioridade da investigação aos créditos em incumprimento de Berardo.  Em resposta, fonte oficial da PGR assegurou: “no âmbito desse inquérito, não deixarão de ser analisadas todas as questões consideradas criminalmente relevantes”.

No topo da lista dos investigadores estão, assim, os créditos a Joe Berardo com suspeitas de terem sido concedidos de forma irregular e sem respeitar pareceres internos e em operações de risco. Só a Fundação Berardo tem uma dívida de 280 milhões de euros à CGD. Acrescentando o valor do outro crédito, perfaz um valor global de 333 milhões de euros, numa linha de até 350 milhões de euros, com imparidades já assumidas de 152 milhões de euros.

MP suspeita da prática de favorecimento

Os créditos ruinosos que estão na mira da PJ, segundo a justiça, são “no mínimo reveladores de uma deficiente análise de risco por parte da instituição e de negligência na observância dos níveis prudenciais adequados”. Uma avaliação que consta já de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que dá conta que aqueles negócios da Caixa  podem indiciar “uma intencional prática de favorecimento de determinados agentes económicos em detrimento de outros, face a condições de acesso ao mercado de crédito”.

Segundo o mesmo acórdão de 2017 sobre o pedido de levantamento de sigilo bancário na CGD, recusado pelo Banco de Portugal, a investigação do MP incide na “omissão de registos de incumprimento” dado que havia clientes com  problemas de risco e até de cumprimento das suas obrigações que estavam classificados como clientes com “créditos sem incumprimento”. A Justiça apontava na altura para “um ato deliberado no sentido de omitir o passivo gerado na esfera do banco”, sublinhando que houve “sucessivas alterações das condições dos contratos, nomeadamente no que diz respeito às garantias” em contratos em vigor entre 2007 e 2016. E sinalizava já a acumulação de créditos sem que as garantias bancárias fossem adequadas aos financiamentos concedido, o que acabou por ser confirmado na auditoria da EY.

Créditos no tempo de Sócrates passados a pente fino

As suspeitas incidem sobretudo sobre atos de gestão relacionados com créditos concedidos durante 2005 e 2010, os anos dos governos liderados por José Sócrates. Foi neste período que foram concedidos pelo banco público créditos a Joe Berardo de forma irregular e sem respeitar pareceres internos.

À investigação em curso que, segundo a PGR, ainda não tem arguidos, chegou em julho do ano passado a auditoria da EY à gestão da Caixa entre 2000 e 2015 que concluiu por perdas de 1.647 milhões de euros devido à existência de vários créditos de valores elevados, alguns dos quais concedidos pelo banco público de forma irregular e sem respeitar pareceres internos e em operações de risco, sendo que alguns terão sido renovados ou terão servido para ampliar empréstimos já concedidos.

Segundo a auditoria da EY no ‘Top 25’ dos créditos mais ruinosos, num total de 1.263 milhões de euros, foi entre 2000 e 2007 que se concentraram 78% destas operações: 871 milhões de euros de perdas registadas em 2015, referentes ao período em que a administração de  Carlos Santos Ferreira (entre 2005 e 2008) é apontada com maior concentração de créditos ruinosos, como à Artlant, a Joe Berardo e ao empreendimento Vale do Lobo.

O MP pretende agora ter também acesso a toda a informação relevante sobre os créditos ruinosos que chegou à nova COPI à gestão da Caixa (ver caixa).

Parlamento e Justiça avaliam operações ruinosas

Parlamento e Justiça pretendem, assim, avaliar os investimentos ruinosos e créditos problemáticos concedidos durante 2000-2015, que mais tarde se revelariam incobráveis ou em risco. Entre estes créditos incluem-se financiamentos a projetos como o de Vale de Lobo, que o MP está a investigar na ‘Operação Marquês’.

Na mira daquelas entidades está também o financiamento a acionistas do BCP com créditos da Caixa concedidos durante a ‘guerra’ no BCP, tendo como garantia as ações do banco privado, que mais tarde se desvalorizariam. Em causa estão operações de financiamento que, só no primeiro semestre de 2007, totalizaram mais de 500 milhões de euros e serviram para adquirir o equivalente a cerca de 5% do capital do BCP por um total de 22 acionistas, mediante recurso a financiamento da CGD na administração de Carlos Santos Ferreira e Armando Vara – em 2008 acabaram por transitar para presidente e vice-presidente do BCP.

Artigo publicado na edição nº1989, de 17 de maio do Jornal Económico

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