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Cultura omissa no plano estratégico entregue por António Costa em Bruxelas

Patrícia Akester, especialista em Direitos de Autor diz ao Jornal Económico que o pacote europeu é o melhor instrumento para repor ‘alguma justiça’ num setor que foi e continua a ser brutalmente castigado pela pandemia.
  • Teatro Nacional D. Maria II
9 Novembro 2020, 07h30

“Vejo com apreensão a ausência do setor da cultura no documento apresentado em Bruxelas”, diz Patrícia Akester, fundadora e responsável pelo Gabinete de Propriedade Intelectual – Intellectual Property Office (GPI/IPO) e Associate de CIPIL, Universidade de Cambridge, questionada pelo Jornal Económico sobre as soluções do documento para um dos setores mais gravosamente atingidos pela pandemia da Covid-19.

No plano estratégico entregue ao primeiro-ministro, o seu autor o engenheiro-gestor António Costa Silva tem o setor em consideração, mas o documento que António Costa apresentou na Comissão Europeia praticamente faz disso tábua rasa.

“Seria importante que a cultura fosse abrangida por tais medidas”, alerta a especialista em Direitos de Autor, salientando as consequências nefastas da pandemia para a atividade, com o cancelamento e adiamento de milhares de espetáculos de música e de teatro, lançamento de livros e inauguração de exposições.

“Os autores portugueses viveram e continuam a viver tempos difíceis de grande contenção por causa da redução brutal no que toca aos direitos cobrados”, diz Patrícia Akester, considerando fundamental que quem de direito, a nível local e nacional, entenda que “pode e deve apoiar a cultura porque há verbas para isso”.

Há atualmente três instrumentos financeiros para o efeito: o Fundo de Recuperação para fazer face à pandemia, o Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 e o Portugal 2020, quadro comunitário em vigor até ao final deste ano. Patrícia Akester defende uma maior presença e ação do Ministério da Cultura, uma vez que o pacote de financiamento europeu é a melhor hipótese para garantir a recuperação do setor. “O Governo tem a possibilidade e a responsabilidade de repor alguma justiça num setor que foi e continua a ser muitíssimo castigado”, salienta.

A atividade cultural está em ‘stand by’ devido aos constrangimentos provocados pela pandemia e os efeitos económicos são consideráveis. Ao contrário do trabalhador por conta de outrem, o autor não tem 14 meses de ordenado anuais, vivendo dos Direitos de Autor. Ora sem atividade cultural, o retorno em termos dos direitos está posto em causa. “É um ciclo vicioso muito perigoso”, alerta Patrícia Akester.

A Sociedade Portuguesa de Autores garantiu até junho deste ano, a distribuição dos direitos dentro dos moldes usuais. No seu site, a SPA informa ter adiantado cerca de dois milhões de euros aos autores, duplicando o valor dos adiantamentos que vigora até ao dia 1 de Dezembro, “data a partir da qual este apoio voltará a ser atribuído de acordo com os valores máximos definidos estatuariamente”. Igualmente foi reforçado o mecanismo do subsídio de emergência ao abrigo do qual a SPA já apoiou autores em valores superiores a oitenta mil euros.

“Em termos legislativos – explica a responsável do GPI/IPO – sabemos que o legislador doméstico terá de alterar a lei de Direito de Autor para efeitos de transposição da Diretiva sobre o Direito de Autor no Mercado Único Digital para o território nacional. Atrasado que está este processo, faço notar que o nosso Código de Direito de Autor é hoje uma manta de retalhos sem nexo e inclui violações da lei internacional e da lei comunitária que devem ser eliminadas”.

Atraso por atraso, conclui Patrícia Akester: “façamos tudo como deve ser. Isto é: desafio o legislador a proceder à urgente reforma do Código com coerência e com absoluto respeito pelos preceitos internacionais e comunitários a que o Estado português se encontra obrigado. Não basta a implementação da Diretiva Mercado Único Digital para dotar o país de uma lei robusta e com sentido para esta área, que de tal precisa mais que nunca”.

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